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Doença dos pezinhos manifesta-se mais cedo a cada nova geração

Um estudo sobre a paramiloidose desenvolvido  por investigadores da Universidade do Porto provou que esta doença se manifesta  mais cedo a cada nova geração e aparece mais tarde nas mulheres do que nos  homens.

© Tim Wimborne / Reuters

A investigação, a que a Lusa teve hoje acesso, foi realizada por uma  equipa do Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC) da Universidade  do Porto e recentemente publicada no Journal of Neurology, Neurosurgery  and Psychiatry

Carolina Lemos, Alda Sousa e a sua equipa descobriram que a Polineuropatia  Amiloidótica Familiar (PAF), conhecida como paramiloidose ou "doença dos  pezinhos", se torna mais grave de geração em geração e que o aparecimento  dos primeiros sintomas surge mais cedo nos homens do que nas mulheres, o  que sugere que as hormonas sexuais desempenham um papel na doença. 

Com esta descoberta pode prever-se a idade em que os primeiros sintomas  poderão surgir, permitindo também conhecer o padrão de transmissão, o que  pode ajudar os doentes a lidar com a doença.  

A PAF é uma doença neurodegenerativa progressiva e fatal. Embora o mecanismo  que a desencadeia ainda não esteja totalmente esclarecido, sabe-se que,  tal como outras doenças neurodegenerativas relacionadas com a idade (Alzheimer  e Parkinson), está relacionada com depósitos de proteína alterada nos neurónios,  que mais tarde morrem, comprometendo as funções que normalmente controlavam.

No caso da PAF, a proteína alterada é a do fígado (Transthyretin). Os  sintomas começam por um formigueiro, seguido de perda de sensibilidade nos  membros inferiores, que depois se espalha para o resto do corpo. A evolução  da doença origina problemas ao nível da respiração e do coração e, a menos  que a doença seja travada, podem levar a morte em apenas dez anos. 

As zonas com a maior taxa de incidência da doença em Portugal são Póvoa  de Varzim e Vila do Conde, onde um em cada mil indivíduos tem a doença e  um em cada 538 é portadores do gene mutado.  

A equipa do IBMC analisou a maior base de dados de doentes com PAF no  mundo, propriedade do Hospital de Santo António, com 2.440 doentes, oriundos  de 572 famílias, que foram estudados ao longo de 70 anos. 

A partir desta base de dados a equipa usou 926 pares de pais e filhos,  de 284 famílias de várias áreas de Portugal. O que descobriram foi "um incrível  padrão na transmissão da doença". 

A PAF normalmente surge na idade adulta, mas os investigadores descobriram  que o seu aparecimento depende muito de quando os pais dos doentes tiveram  a doença.  

Os investigadores perceberam, por exemplo, que a maioria dos pais em  que a doença se manifestou tardiamente, depois dos 50 anos, tinha filhos  em que se manifestou mais cedo, por volta dos 40. Pelo contrário, nenhum  progenitor que manifestou a doença cedo teve descendentes que a tiveram  tarde. 

Adicionalmente o risco de ter a doença desde muito cedo, antes de 30  anos, era alto para os filhos de pais que tiveram a doença cedo, por volta  dos 40. E era nulo para aqueles cujos pais desenvolveram a doença por volta  dos 70 anos.  

A equipa descobriu também que as mulheres tendem a ter a doença mais  tarde do que os homens, quer seja ao nível dos pais ou dos filhos, revelando  um efeito de género no aparecimento dos primeiros sintomas. Isto foi confirmado  pela observação de que os filhos de mães afetadas apresentavam as maiores  antecipações (diferença de idade entre o aparecimento dos sintomas de pai  para filhos) enquanto de pai para filha demonstravam nenhuma antecipação.

"Os nossos resultados podem ter importantes implicações noutras doenças  também causadas por mutações isoladas. Para os que tem a mutação do TTR  (Transthyretin) provar a existência de antecipação e de um efeito de género  revela um padrão na transmissão da doença que permitirá um melhor acompanhamento  e, sobretudo, uma deteção e um tratamento mais precoces", consideram os  investigadores.  

A equipa refere ainda que "agora que existe mais conhecimento dos efeitos  dos progenitores, a estratégia para identificar os alteradores genéticos  deverão focar-se nas famílias e não nos indivíduos, de forma a tentar descortinar  os mecanismos da antecipação".  

Embora o que cause antecipação na paramiloidose seja ainda um mistério,  "há suspeitas de que pode resultar de vários fatores inter-relacionados  nas diferentes famílias, incluindo efeitos de outros genes, mecanismos epigenéticos  (mecanismo herdado que não envolve alterações no DNA, por exemplo de influência  do ambiente) ou efeitos hormonais", acrescentam os autores do estudo. 

A paramiloidose foi descrita em 1952 pelo neurologista do Hospital de  Santo António do Porto Mário Corino de Andrade, que observara um padrão  de formigueiro e adormecimento das pernas em doentes da Póvoa do Varzim.

 

Lusa

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