O fracasso da Cimeira de Hanói, é o que seria de esperar quando um encontro a tão alto nível é tratado com amadorismo pela Casa Branca. Donald Trump confia excessivamente nas suas habilidades negociais e não se prepara nem para cimeiras, nem para reuniões onde são tomadas decisões políticas importantes. Confia, sempre, no seu instinto – o mesmo que o conduziu a seis falências.
Mas, ao contrário do que sucedeu na Cimeira de Singapura, a diplomacia americana estava preparada e não restam dúvidas em Washington de que se deve ao secretário de Estado Mike Pompeo este recuo de Trump e o passo atrás em Hanói.
Pompeo chegou ao Departamento de Estado apenas seis semanas antes da reunião de Singapura e nada pode fazer para contrariar o presidente: Trump num encontro a sós com Kim,entregou o ouro aos bandidos. Desta vez, o chefe da diplomacia esteve envolvido em todos os passos preparatórios – com excepção da preparação do próprio Trump, tarefa impossível a quem não lê e raramente ouve. Ou ouve as pessoas erradas.
Logo depois de Singapura, Trump proclamou o fim da ameaça nuclear norte-coreana, no que foi contrariado publicamente por Pompeo – acompanhado pelos líderes das secretas americanas – que manteve sempre os olhos na bola: fim das sanções só com a desnuclearização da Coreia do Norte, um país-ameaça. Apesar dos sinais de que Trump se preparava para ceder mesmo antes da reunião para que voou, ida e volta, 40 horas, tal não aconteceu. Não houve acordo e foi melhor assim.
Aliás, a cimeira foi totalmente desnecessária. Estas reuniões de alto nível – fiz a cobertura da minha primeira cimeira, entre Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev, em 1987 – são sempre alvo de prolongadas e minuciosas negociações prévias, antes das cimeiras. Estas servem para selar e dar força política a acordos bem preparados. Isto pretende obviar o que sucedeu em Hanói: surpreendido por uma posição de Pyongyang para que não estava preparado, Trump desistiu. Uma cedência a Kim seria pior.
Kim Jong-un e a sua delegação cometeram, por seu lado, o erro de subestimar a reação americana à sua proposta de encerrar apenas uma instalação nuclear militar a troco da eliminação de todas as sanções contra o seu governo. A imprensa americana noticiou que os norte-coreanos foram pouco cooperantes durante as reuniões técnicas com o Departamento de Estado, de preparação de acordos para a cimeira, por considerarem que o seu líder obteria mais concessões mais e melhores concessões do próprio Trump.
Esta posição assume que Trump, é, como Kim, um ditador com 100% de margem de manobra – mas é apenas um aspirante e vive num país diferente. Não deverá ter sido necessária muita persuasão para ajudar Trump a ver as perigosas areias políticas movediças que o ameaçavam do lado norte-coreano do pântano, caso cedesse ao seu “amigo”. Entregar o ouro aos bandidos, para fazer um mau acordo, não é vencer.
Um impreparado e um maior-olho-que-barriga reuniram-se numa cimeira cujo amadorismo foi ilustrado por declarações de Donald Trump e Kim Jong-um logo no início das suas reuniões, em que discorriam com desconcertante tranquilidade sobre a abertura de uma delegação americana em Pyongyang, ainda que sem o estatuto diplomático de uma embaixada.
Tudo ficou adiado. Não há um plano claro para o curso futuro destas negociações porque, depois do recuo, é preciso aguardar para ver se Pompeo conseguirá prender Trump à sua agenda negocial.
O que, apesar do fracasso de Hanói, não mudou, foi a humilhante insistência de Trump em agradar ao seu homólogo norte-coreano. Depois de vários elogios pessoais não correspondidos Trump despediu-se da cimeira com uma conferência de Imprensa em que insistiu na existência de relações amistosas entre os dois, poucas horas antes de Pyongyang criticar a postura americana e pôr em causa a realização de um terceiro encontro. O tratamento amistoso por Trump incluiu dizer acreditar que o ditador norte-coreano desconhecia por completo a selvática tortura de um detido americano, libertado por Pyongyang dias antes de morrer.
Trump acredita facilmente na palavra dos autocratas que lhe são exemplo e inspiração: Kim, Xi, Putin, Mohamed bin Sultan. Esta semana abriu uma excepção e acreditou no seu astuto secretário de Estado. Não sabemos durante quanto tempo subsistirá essa fé.
É preciso reavaliar a relação com Kim, mas Trump regressa a Washington consumido pelo seu futuro político e escândalos, como as audições do seu ex-advogado pessoal, Michael Cohen, encarregado, durante uma década, de fazer os seus trabalhos sujos e que agora “despejou” os segredos em público após meses de cooperação com as autoridades judiciais. Mais um episódio sórdido da lamentável vida política de Donald Trump, a quem Cohen chamou, publicamente, “racista, vigarista e aldrabão”.