O procurador-geral de Espanha vai, pela primeira vez, ser julgado por violação de segredo de justiça, num caso que atinge o Governo de Pedro Sánchez e o executivo regional de Madrid.
O Tribunal Supremo de Espanha formalizou esta terça-feira, num despacho do juiz Ángel Hurtado, o envio a julgamento do procurador-geral do Estado, Álvaro García Ortiz, por um delito de revelação de informações pessoais ou que estavam em segredo de justiça.
Por outro lado, o juiz exige ao procurador uma caução de 150 mil euros, para responder a eventuais responsabilidades financeiras (custos ou multas) que lhe possam vir a ser atribuídas neste processo.
O despacho já não pode ser objeto de recurso e o Tribunal Supremo vai agora agendar o início do julgamento.
Em Espanha, as alegações fazem-se antes do arranque do julgamento e as acusações pedem entre quatro e seis anos de prisão para o procurador, assim como proibição de exercer o cargo de chefe máximo do Ministério Público.
Em causa está a divulgação de emails e informações relacionadas com uma investigação por fraude fiscal que tem como alvo Alberto González Amador, o companheiro sentimental da presidente do governo regional de Madrid, Isabel Díaz Ayuso, do Partido Popular (PP, direita).
As informações foram publicadas em meios de comunicação social e o juiz considerou, no despacho agora conhecido, que há indícios de ter sido o procurador-geral a divulgar "segredos de que podia ter tido conhecimento" por causa do cargo que ocupa.
Durante a investigação, jornalistas de diversos meios de comunicação que publicaram as informações em causa negaram que a fonte tenha sido o procurador-geral.
Nega ter divulgado informações em segredo de justiça
Garcia Ortiz foi ouvido em 29 de janeiro pelo Tribunal Supremo e negou ter divulgado informações em segredo de justiça.
Ao longo dos oito meses da investigação, o procurador rejeitou sempre demitir-se e não se pronunciou sobre os emails, mas assumiu a responsabilidade da divulgação de um comunicado da Procuradoria em que desmentia notícias de jornais e esclarecia que o empresário Álvaro Gonzalez Amador tinha proposto um acordo ao Estado e assim admitido que cometeu crimes.
Duas associações de procuradores, incluindo a que representa a maioria dos magistrados do Ministério Público, pediram a Álvaro García Ortiz para se demitir, considerando que "é a única forma de evitar um dano reputacional" à carreira e à instituição.
Uma terceira associação considerou estar em causa a presunção de inocência e manifestou apoio à atuação do procurador-geral.
Álvaro García Ortiz disse que ia continuar no cargo por estar convencido de que "é o menos gravoso e o mais prudente para a instituição [o Ministério Público] a médio e longo prazo" e "com pleno respeito pela lei e pelo Estado de Direito".
Realçando ser inédita a abertura de uma investigação ao procurador-geral, García Ortiz defendeu "uma profunda reflexão" sobre aquilo que a motivou e "as circunstâncias que a rodeiam".
O procurador lembrou que a lei espanhola atribui ao Ministério Público a função de informar sobre os assuntos relevantes que conhece para garantir o direito dos cidadãos a informação fidedigna, "mais ainda num caso como este, em que boatos ou falsidades comprometiam a imagem da instituição e de vários dos seus membros".
Troca de acusações entre Governo e oposição
O caso tem motivado troca de acusações entre o Governo e a oposição, com o PP a pedir reiteradamente a demissão do procurador, que é nomeado por escolha do executivo.
"A degradação institucional a que Pedro Sánchez submete o nosso país é insuportável. Se o PSOE [Partido Socialista] não exige a demissão de Álvaro García Ortiz, vai acompanhá-lo até ao banco dos réus", escreveu o líder do PP, Alberto Núñez Feijóo, na rede social X.
Já o Governo, reiterou o apoio ao procurador: "Sempre fomos conscientes de que o procurador-geral do Estado defendeu a verdade e perseguiu o delito, portanto, todo o respeito por esta resolução [do juiz] e também toda a confiança no procurador-geral do Estado", disse a porta-voz do executivo, a ministra Pilar Alegria.