As eleições no Reino Unido decorrem a 4 de julho. São candidatos o atual primeiro-ministro, o conservador Rishi Sunak, e o líder do partido Trabalhista, Keir Starmer.
A maioria das sondagenspublicadas após o segundo debate, a 26 de junho, indicam que o Partido Conservador, no poder há 14 anos, está a caminho de uma derrota pesada, com a eleição do menor número de deputados de sempre.
Rishi Sunak, um primeiro-ministro cauteloso que decidiu arriscar
Conhecido por ser meticuloso e sensato, o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, surpreendeu quando convocou em maio passado eleições legislativas para 04 de julho, numa altura de grande impopularidade do Governo conservador.
Aquelas características foram os atributos que convenceram o Partido Conservador a escolhê-lo como líder em 2022, após o caos dos dois antecessores no cargo, Boris Johnson e Liz Truss.
Mas, se as sondagens estiverem corretas, a liderança de Sunak não mudou muito o rumo da opinião pública em relação aos conservadores e o Partido Trabalhista, principal partido da oposição, prepara-se para voltar ao poder que deixou em 2010.
Pelo contrário, há o risco de deixar os 'tories' (conservadores) em pior estado, com um grupo parlamentar reduzido ao menor número de deputados de sempre. O próprio Sunak poderá mesmo conquistar o título de primeiro chefe de Governo na história do Reino Unido a não ser reeleito.
O maior impacto que Rishi Sunak causou na campanha até agora foi uma gafe: a decisão de faltar a uma cerimónia internacional em França, a 06 de junho, para assinalar o 80.º aniversário do Dia D, data-chave da II Guerra Mundial, o que o obrigou a pedir desculpa.
"Não tive a intenção de magoar ou ofender ninguém", afirmou, perante as críticas de falta de patriotismo e sentido de Estado.
A ascensão meteórica no partido conservador
Sunak, atualmente com 44 anos, teve uma rápida ascensão no partido e foi promovido a ministro das Finanças há quatro anos inesperadamente, após a demissão de Sajid Javid.
Em poucas semanas, teve de elaborar o maior pacote de apoio económico que qualquer antecessor alguma vez teve de fazer fora de tempo de guerra devido à pandemia de covid-19.
Calmo, confiante e sofisticado, tornou-se rapidamente num dos ministros mais populares do Governo de Boris Johnson graças ao programa de retenção de postos de trabalho, que pagou até 80% dos salários daqueles que não puderam trabalhar durante o confinamento desencadeado pela pandemia, salvando milhões de postos de trabalho.
Mais tarde, um plano para incentivar os britânicos a voltar aos restaurantes valeu-lhe a alcunha de "Dishy Rishi".
O desempenho durante a pandemia, antes da qual mal era conhecido, é invocado repetidamente para comprovar o seu sentido de compaixão na gestão das finanças.
"Tal como fiz nessa altura, farei sempre tudo o que estiver ao meu alcance para vos proporcionar a maior proteção possível - é essa a promessa que vos faço", afirmou, no discurso de anúncio da convocação das eleições.
O mais jovem primeiro-ministro em 200 anos
Tornou-se primeiro-ministro em outubro de 2022 com a missão de estabilizar o Governo, depois de Liz Truss ter agitado os mercados financeiroscom um plano de cortes fiscais não financiados, medidas que Sunak tinha avisado que seriam imprudentes e causariam estragos.
Ao ser indigitado primeiro-ministro, tornou-se o primeiro líder britânico de cor e hindu e, aos 42 anos, o mais jovem chefe de governo em mais de 200 anos.
Sunak nasceu em 1980 em Southampton, na costa sul de Inglaterra, filho de pais de ascendência indiana, ambos nascidos na África Oriental.
O pai era médico de família e a mãe geria uma farmácia, o que lhes permitiu pagar as propinas de Winchester College, um dos colégios internos mais caros e exclusivos do Reino Unido.
Rishi Sunak seguiu depois para a Universidade de Oxford, onde estudou política, filosofia e economia, o curso mais comum entre futuros primeiros-ministros.
Um curso MBA na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, foi a plataforma de lançamento para a carreira como gestor de fundos no banco de investimento Goldman Sachs.
Foi naquela universidade que conheceu a sua mulher, Akshata Murty, filha do bilionário fundador da empresa tecnológica indiano Infosys, com a qual tem duas filhas.
Casal Sunak mais rico do que o Rei Carlos III
De acordo com a lista do Sunday Times das pessoas mais ricas, o casal tem uma fortuna estimada em 651 milhões de libras (cerca de 768 milhões de euros), fazendo do primeiro-ministro e da mulher mais ricos do que o Rei Carlos III.
Este nível de riqueza é apontado frequentemente pelos adversários como uma razão para a falta de perceção da realidade e das dificuldades diárias dos trabalhadores.
Apoiante do Brexit
Sunak foi eleito para o parlamento pelo círculo eleitoral de Richmond, em Yorkshire, norte de Inglaterra, em 2015, e no ano seguinte apoiou a saída do Reino Unido da União Europeia (UE) no referendo do Brexit.
Quando o "leave" (sair) ganhou inesperadamente, a carreira de Sunak descolou e desempenhou vários cargos antes de ser nomeado Ministro das Finanças em fevereiro de 2020.
Para além da missão de equilibrar o orçamento e estabilizar a economia, durante os 20 meses de mandato, Sunak esforçou-se por pacificar as diferentes fações no Partido Conservador.
A ala mais à direita dos 'tories' quer mais firmeza em relação à imigração, maior ousadia na redução de impostos e cautela nas medidas climáticas, enquanto a ala mais moderada quer manter o partido no centro político, o espaço onde historicamente as eleições britânicas são ganhas.
Esta tensão foi notória durante o debate docontroverso plano de deportar para o Ruanda imigrantes ilegais que chegam através do Canal da Mancha, em vez de serem autorizados a pedir asilo, e a ameaça de retirar o país da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Sunak ajudou a economia a "virar a esquina"
Apesar de o partido deixar um nível de vida mais reduzido e serviços públicos depauperados, Sunak apresenta-se como alguém que ajudou a economia a "virar a esquina".
Um ano e meio depois, a inflação desceu para os 2%, os salários continuam a subir e as taxas de juro estão prestes a descer.
A decisão de Sunak convocar eleições antecipadas foi vista como uma jogada na esperança de ser recompensado pelas pessoas começarem a ver os benefícios do seu plano.
O escândalo recente das alegadas apostas de membros do Partido Conservador na data das eleições legislativas não só desacreditou um líder que prometeu governar com integridade e profissionalismo, mas acentuou uma queda anunciada.
"Se Sunak perder (...), então o escândalo das apostas poderá ser o motivo pelo qual estas eleições serão recordadas: uma campanha 'tory' deliberadamente incompetente que fez tudo o que estava ao seu alcance para perder o maior número de votos possível", ironizou o jornalista Freddie Hayward no 'site' da revista política e cultural britânica The New Statesman.
Keir Starmer, o líder pouco carismático favorito para ser primeiro-ministro
Descrito pelos detratores como aborrecido e pouco carismático, Keir Starmer, acabou por transformar o Partido Trabalhista ao ponto de se tornar o favorito para vencer as eleições legislativas britânicas de 04 de julho e chegar a primeiro-ministro.
Starmer reorientou o partido da esquerda para o centro político com a mensagem para os eleitores de que um governo trabalhista fará reformas, mas sem radicalismo.
"Um voto nos trabalhistas é um voto na estabilidade - económica e política", vincou Starmer em maio, depois de o primeiro-ministro, o conservador Rishi Sunak, ter convocado as eleições.
Se os trabalhistas ganharem as eleições, Starmer tornar-se-á no primeiro primeiro-ministro do 'Labour' (Partido Trabalhista) desde 2010.
Um "advogado esquerdista de Londres"
Antigo procurador-geral de Inglaterra e do País de Gales entre 2008 e 2013, Starmer é caricaturado pelos adversários como um "advogado esquerdista de Londres".
Foi nomeado cavaleiro pela Rainha Isabel II pelo papel à frente da Procuradoria da Coroa, e os opositores conservadores gostam de usar o seu título, "Sir", para o retratar como sendo elitista.
Casado e com dois filhos adolescentes, Starmer gosta de sublinhar as credenciais de homem simples, especialmente a paixão pelo futebol e o apoio ao clube londrino Arsenal, e as raízes na classe trabalhadora.
"O meu pai era fabricante de ferramentas e a minha mãe enfermeira", costuma repetir, ao ponto de ter causado risos num debate televisivo recentemente.
Os pais, militantes trabalhistas, ter-lhe-ão dado o nome próprio do fundador do Partido Trabalhista, Keir Hardie.
A mãe sofria de uma doença crónica que a deixava em sofrimento, e Starmer afirmou que visitá-la no hospital e ajudar a cuidar dela lhe deixou uma marca indelével e ajudou a formar o seu forte apoio ao Serviço Nacional de Saúde financiado pelo Estado.
Criado numa família com poucos recursos económicos numa pequena vila nos arredores de Londres, foi o primeiro membro da família a ir para a universidade, estudando Direito nas Universidades de Leeds e de Oxford.
Starmer exerceu advocacia na área dos direitos humanos antes de ser nomeado Procurador-Geral da Justiça.
Votou contra o Brexit mas não pretende reverter quando chegar ao poder
A entrada na política foi tardia, aos 52 anos, quando foi eleito deputado pelo círculo eleitoral londrino de Holborn e St. Pancras em 2015, numa eleição ganha pelos conservadores com maioria absoluta.
Um ano depois, Keir Starmer fez parte de uma rebelião contra o então líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, após o referendo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia (UE), processo conhecido como 'Brexit'.
Apesar das críticas, tornou-se o porta-voz dos trabalhistas para as questões relacionadas com o 'Brexit', contra o qual votou mas o qual não pretende reverter quando chegar ao poder.
Os críticos aludem a isto para o acusar de falta de princípios políticos, mas os apoiantes defendem o pragmatismo perante a pouca vontade dos britânicos em reabrir uma discussão que dividiu famílias e o país.
Depois de Corbyn ter conduzido o Partido Trabalhista a derrotas eleitorais em 2017 e 2019, esta última o pior resultado da força política desde 1935, Starmer foi escolhido para reabilitar o 'Labour'.
A liderança coincidiu com um período turbulento em que o Reino Unido atravessou a pandemia de covid-19, saiu da UE, sofreu o choque económico causado pela invasão russa da Ucrânia e assistiu ao turbulento mandato de 49 dias de Liz Truss como primeira-ministra, em 2022.
Este período deixou os eleitores desgastados com o aumento do custo de vida, as greves no setor público e o caos político que levou o Partido Conservador a demitir dois primeiros-ministros, Boris Johnson e Truss, no espaço de semanas antes de instalar Sunak para tentar estabilizar o país.
Starmer impôs disciplina a um partido com uma reputação de divisões internas, abandonou algumas das políticas mais socialistas de Corbyn e pediu desculpas pelo antissemitismo que uma investigação interna concluiu ter-se espalhado nos anos anteriores.
Starmer prometeu "uma mudança de cultura no Partido Trabalhista" e adotou o lema "o país antes do partido".
Os aliados do político dizem que o ar sério de Starmer esconde uma ambição de aço e uma determinação em vencer.
No ano passado, quando o jornal britânico The Guardian lhe perguntou qual tinha sido o pior trabalho que já teve, respondeu: "Líder da oposição".
"Como líder da oposição, não se está no poder e é o trabalho mais frustrante que já tive, e um trabalho que espero não ter por muito mais tempo", disse na ocasião.
O desafio de Starmer é persuadir os eleitores de que um governo trabalhista pode resolver a crise crónica da habitação no Reino Unido e reparar os serviços públicos fragilizados, especialmente o serviço de saúde, mas sem aumentar impostos ou agravar a dívida pública.
Alguns membros da ala mais esquerda do Partido Trabalhista têm-se queixado da abordagem centrista e do que consideram ser políticas pouco ambiciosas.
Starmer diluiu uma promessa de gastar milhares de milhões de libras a investir em tecnologia verde e recuou na abolição das propinas universitárias para não pôr em risco as contas públicas.
Liderança nas sondagens
A subida do partido nas sondagens sob a sua liderança, cuja diferença para os conservadores se mantém em redor dos 20 pontos percentuais, tem ajudado a manter os críticos internos do seu lado.
Os analistas compararam estas eleições às de 1997, quando Tony Blair guiou o Partido Trabalhista a uma vitória esmagadora após 18 anos de governo conservador, embora recordem que o antecessor era mais carismático.
Para alguns, esta personalidade empedernida não é um problema, mas uma vantagem e uma espécie de "antídoto" contra os populistas Liz Truss e Boris Johnson.
"A mensagem é que pode não se agradar a todos mas, tendo em conta tudo o que aconteceu com os 'tories' [conservadores], um período de calma e estabilidade representará, por si só, uma mudança radical", escreveu o jornalista e colunista Jonathan Friedland no The Guardian.