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Arma nuclear russa no espaço: questões sobre uma hipotética ameaça

A acusação de Washington choca com a rejeição de Moscovo. Mas os especialistas temem implicações globais.

Catarina Solano de Almeida

A Rússia estará a desenvolver um programa de armas nucleares no espaço? Washington diz que sim, Moscovo nega e os analistas receiam a hipótese, mesmo que seja remota, especialmente num contexto geopolítico tão tenso.

Esta polémica junta-se a uma crescente militarização do espaço, o que acrescenta um novo nível de preocupação em relação à segurança global.

Com declarações contraditórias e especulações em jogo, esta potencial ameaça pode afetar ainda mais o cenário internacional e a precária estabilidade global.

Acusações e negações

Em meados de fevereiro surgiram notícias de que os Serviços Secretos da Câmara dos Representantes dos EUA teriam identificado “um assunto urgente relacionado com um poder político estrangeiro destabilizador”, suspeitas que recaíam sobre a Rússia. O presidente da comissão de Serviços Secretos da Câmara dos Representantes norte-americana, o republicano Mike Turner, falou pela primeira vez em “informações relativas a uma grave ameaça à segurança nacional”.

Os media norte-americanos afirmaram que Moscovo estava a considerar colocar uma arma nuclear no espaço o que obrigou a Casa Branca a mencionar uma "perturbadora" capacidade de arma anti-satélite, desenvolvida pela Rússia” sem confirmar a sua natureza nuclear.

O Presidente russo, Vladimir Putin, afirmou que Moscovo se “opõe categoricamente” à colocação de armas nucleares no espaço, tendo vindo o seu ministro da Defesa, Sergei Shoigu, garantir que a Rússia “não tem ” este tipo de armamento.

Especulações sobre o que é esta arma

A informação pública sobre esta arma é mínima, o que obriga os analistas a especular.

“Será um sistema renovado da Guerra Fria ou um novo programa?”, questiona-se o especialista dinamarquês Hans Christensen, da Federação de Cientistas Americanos (FAS).

“Sabemos que nada foi ainda implantado e parece que não existe um plano específico para detonar algo”, salienta Pavel Podvig, especialista nuclear russo na ONU (UNIDIR), à AFP.

Em declarações à AFP, este especialista levantou a possibilidade de um projeto “discutido pela indústria militar russa” e “amplificado pela secreta americana para manipulação e fins políticos”.

Um (inverosímil) ataque nuclear no espaço?

O espaço está hoje em dia bastante sobrecarregado com satélites civis, militares e comerciais. Detonar uma bomba nuclear destruiria tudo o que estivesse no seu caminho, inclusive os satélites do próprio agressor.

“Poderia causar muitos danos, de forma totalmente indiscriminada, o que me deixa cético quanto à realidade deste plano”, diz Pavel Podvig.

“É possível atingir um sistema específico (...) mas isso destruiria muitos outros”, incluindo os satélites russos e os dos seus aliados chineses.

Xavier Pasco, diretor da Fundação para Pesquisa Estratégica (FRS) francesa, relembra que "o espaço é um ambiente muito específico onde todos são interdependentes”.

“A ameaça de uma explosão nuclear no espaço é completamente irracional e bastante incompreensível.”

A energia nuclear no espaço

Nas décadas de 1970 e 1980, os satélites soviéticos Rorsat utilizavam reatores nucleares como fonte de energia, nomeadamente para radares,

Xavier Pasco levanta a hipótese de que os russos “conseguiram desenvolver, ou estão no processo de o fazer, uma arma alimentada por um reator nuclear para gerar fluxos de energia significativos”.

Assumindo que o espaço ganhou uma dimensão importante na condução da guerra, particularmente na Ucrânia, o investigador francês acredita que a Rússia está a desenvolver programas nesse sentido. “Temos conhecimento de programas na Rússia que vão nessa direção, mas sem saber o nível de progresso”, disse à AFP.

Ambiente espacial militarizado

A militarização do espaço sideral é tão antiga quanto a corrida espacial. Desde que o Sputnik foi colocado em órbita em 1957, Washington e Moscovo têm procurado formas de armar e destruir satélites.

Em 1967, as superpotências e outros países assinaram o Tratado do Espaço Exterior, proibindo a colocação em órbita de armas de destruição em massa.

A Rússia destruiu um dos seus próprios satélites em 2021 ao lançar um míssil da Terra, o que provocou protestos. Mas o conflito evoluiu, passando da ideia de destruir satélites para neutralizá-los com laser ultrapoderoso, energia dirigida ou armas de microondas.

Tensões geopolíticas

Aumentam as preocupações sobre o risco de ver o espaço tornar-se um local de confronto, da mesma forma que os ambientes terrestres ou subaquáticos.

Uma arma nuclear espacial arriscaria criar uma nova corrida ao armamento, “desafiaria a estratégia espacial americana, sabotaria as regras (internacionais) e preocuparia os aliados”, estimam Clementine Starling e Mark Massa do Atlantic Council.

“Os Estados Unidos e os seus aliados e parceiros devem responder, mas não há necessidade de cair na histeria” porque a hipótese não “modificaria significativamente o equilíbrio de poder EUA-Rússia no espaço ou em Terra”, afirmam os especialistas.

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