Mundo

Presidenciais na Turquia: a luta decisiva entre Erdogan e Kiliçdaroglu

Os 64 milhões de eleitores vão decidir este domingo não só quem lidera o país, mas também como será governado, qual a direção que a economia tomará e como será moldada a sua política externa. Pela primeira vez em 20 anos, a permanência de Erdogan no poder está ameaçada.

Cartazes de campanha de Erdogan e Kemal Kiliçdaroglu em Istambul
Khalil Hamra/AP

SIC Notícias

Os dois adversários na corrida à Presidência turca voltam a enfrentar-se no domingo, 28 de maio, para a segunda volta das eleições. A vantagem é do atual Presidente, mas a vasta coligação que o social-democrata Kemal Kiliçdaroglu quer levar ao poder tem ainda uma pequena margem para a vitória.

Com 49,52% dos votos na 1.ª volta, Recep Tayyip Erdogan está com 2,5 milhões de votos à frente do social-democrata Kemal Kiliçdaroglu. Aquele que promete o "regresso da primavera", a "democracia pacífica" e o regresso ao Estado de direito não seduziu mais de 44,9% dos eleitores.

O terceiro candidato mais votado na primeira volta, o ultra-nacionalista de extrema-direita Sinan Ogan, de 55 anos, que recebeu 5,17 % dos votos das presidenciais turcas, manifestou esta segunda-feira o seu apoio a Recep Tayyip Erdogan.

Kemal Kiliçdaroglu recebeu por sua vez o apoio do ultra-nacionalista e líder do Partido da Vitória, Umit Ozdag. Também o partido de esquerda pró-curdo HDP confirmou na quinta-feira o seu apoio a Kemal Kiliçdaroglu, apesar de no dia anterior ter entrado na coligação um micropartido xenófobo e anticurdo.

Um novo Parlamento com maioria para o partido de Erdogan

Das urnas da 1.ª volta já saiu o novo Parlamento:

  • dos 600 deputados, 322 pertencem ao campo de Erdogan com 268 eleitos pelo seu partido islamita-conservador AKP, apoiado pelo nacionalista MHP (50 deputados) e vários pequenos partidos islâmicos como Hüda-Par (Hezbollah curdo, 4 eleitos) e Yeniden Refah (5 eleitos).
  • a oposição conta com 213 deputados.

Kiliçdaroglu promete “mandar de volta” todos os refugiados

O candidato da oposição na Turquia, o social-democrata Kemal Kiliçdaroglu, prometeu derrotar o atual Presidente, Recep Tayyip Erdogan "na segunda volta" das eleições realizadas a 14 de maio..

"Se a nossa nação pedir uma segunda volta, aceitaremos com prazer. E com certeza venceremos essa segunda volta", disse Kiliçdaroglu de madrugada, na capital Ancara, rodeado por representantes da coligação inédita de seis partidos da oposição que o apoiam.

"A necessidade de mudança na sociedade é superior a 50%; temos absolutamente de vencer e instalar a democracia neste país", disse Kiliçdaroglu.

Kiliçdaroglu denunciou durante a noite eleitoral que o partido de Erdogan, o AKP "está continuamente a impugnar as atas da votação e a bloquear o sistema" de apuramento dos resultados nas regiões onde a oposição é mais forte.

Na campanha, Kiliçdaroglu surpreendeu com uma declaração em que prometeu "mandar todos os refugiados para casa assim que chegar ao poder". Já antes tinha afirmado que queria mandar os 3,7 milhões de sírios para casa “dentro de dois anos”, em caso de vitória.

Erdogan promete reconstrução “em 6 meses” de áreas devastadas pelo sismo

Por seu lado, Erdogan disse acreditar que os turcos vão escolher a estabilidade.

Nas últimas ações de campanha, visitou as áreas atingidas pelo devastador sismo de 6 de fevereiro, que fez pelo menos 50.000 mortos e três milhões de deslocados, onde votaram esmagadoramente nele.

Promete uma reconstrução "dentro de seis meses" e repete sistematicamente as mesmas acusações que consistem em associar o campo opositor a "terroristas" e "LGTBQ+".

O que está em jogo nas históricas eleições na Turquia?

Pela primeira vez em 20 anos, a permanência de Erdogan no poder está ameaçada.

O Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, enfrenta o mais difícil desafio político: manter-se no cargo que ocupa há 20 anos com mão de ferro face a uma oposição que se tornou mais forte, sobretudo quando o seu mais importante rival Kemal Kiliçdaroglu se juntou numa coligação com mais cinco forças partidárias.

As eleições Presidenciais vão decidir não só quem lidera o país, mas também como será governado, qual a direção que a economia tomará e como será moldada a sua política externa.

Enquanto o líder com maior longevidade no poder desde o fim do Império Otomano (1922) defende uma religiosidade devota e baixas taxas de juro a nível interno, garante a influência turca na região e afasta-se da NATO e do Ocidente, o calmo e pacífico opositor lança a promessa de uma viragem democrática e do regresso a uma relação "pacífica" com o país e com o resto do mundo.

A Turquia de Erdogan

O mais poderoso líder desde que Mustafa Kemal Atatürk fundou a moderna república turca há um século, Erdogan e seu Partido AKP, de base islâmica, afastaram a Turquia do projeto secular de Ataturk.

Erdogan também centralizou o poder em torno de uma presidência executiva que define a política económica, de segurança, doméstica e internacional da Turquia.

Os críticos de Erdogan dizem que o seu Governo amordaçou a dissidência, limitou direitos e colocou o sistema judicial sob o seu controlo, acusações negadas pelos seus próximos que dizem que protegeu os cidadãos de ameaças à segurança interna, incluindo uma tentativa de golpe de Estado em 2016.

Economistas dizem que os apelos de Erdogan para baixas taxas de juros fizeram a inflação disparar para 85%, a maior alta em 24 anos, em 2022, e a lira caiu para um décimo de seu valor em relação ao dólar na última década.

O ranking anual dos Repórteres Sem Fronteiras (RSF) da liberdade de imprensa, publicado no início de maio, coloca a Turquia em 165º lugar (entre 180 países), uma queda de 16 posições num ano.

Recep Tayyip Erdogan luta para se manter no poder

A campanha de Erdogan centrou-se nos números: aumento das pensões, rendas da habitação, as faturas de energia) mas também em insultos: nas acusações aos seus rivais de conluio com os "terroristas" do PKK, o partido dos trabalhadores do Curdistão, critica as ligações com o Ocidente e as suas “conspirações” e diz que as suas convicções "pró-LGBT" que querem "destruir a família".

A Turquia e o resto do mundo

Com Erdogan, a Turquia aumentou o poder militar no Médio Oriente e além, lançando quatro incursões na Síria, travando uma ofensiva contra militantes curdos dentro do Iraque e enviando apoio militar à Líbia e ao Azerbaijão.

A Turquia teve também uma série de confrontos diplomáticos com as potências regionais Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos e Israel, bem como um impasse com a Grécia e Chipre sobre as fronteiras marítimas do Mediterrâneo oriental. Há cerca de dois anos, Erdogan mudou de rumo e procurou uma reaproximação com alguns dos seus rivais.

A compra de defesas aéreas russas desencadeou sanções da indústria de armas dos EUA contra Ancara, enquanto a sua proximidade com o Presidente russo, Vladimir Putin, levou os críticos a questionar o compromisso da Turquia com a aliança de defesa ocidental da NATO.

As objeções de Ancara aos pedidos de adesão à NATO da Suécia e da Finlândia também aumentaram as tensões com o ocidente. Entretanto a Finlândia já é membro da Aliança Atlântica mas quanto à Suécia, a Turquia insiste para Estocolmo “pôr fim ao apoio” a “organizações terroristas”.

No entanto, a Turquia foi um importante intermediário nas negociações com a Rússia para chegar a um acordo sobre as exportações de cereais da Ucrânia, e Erdogan não deixa passar em claro os seus esforços para acabar com a guerra na Ucrânia.

O que promete a oposição?


Os dois principais partidos da oposição, o laico CHP e o nacionalista de centro-direita IYI, aliaram-se a quatro partidos mais pequenos numa coligação que promete reverter muitas das políticas com a assinatura de Erdogan.

Comprometem-se a restaurar a independência do banco central e reverter as políticas económicas pouco ortodoxas de Erdogan. Afirmam que vão eliminar a presidência executiva e restaurar o anterior sistema parlamentar e que vão repatriar refugiados sírios.

A nível externo, querem melhorar as relações com os aliados ocidentais, incluindo os Estados Unidos, e devolver a Turquia ao programa de caças F-35, do qual foi bloqueada após a compra das defesas antimísseis russas.

Analistas acreditam que as políticas prometidas pela oposição podem estimular o investimento estrangeiro.

Erdogan apoiou os esforços falhados para derrubar o Presidente sírio, Bashar al-Assad. Deu asilo a pelo menos 3,6 milhões de refugiados sírios que se tornaram cada vez menos bem-vindos numa altura de crise económica da Turquia.

A oposição ecoou os planos de Erdogan de devolver os milhares de refugiados à Síria.

Kemal Kiliçdaroglu: a aposta na conciliação

Kemal é anti-Erdogan e sonha em ser o salvador de uma democracia turca prejudicada por 20 anos de um poder incontestável. Se for eleito, promete por isso romper com a era Erdogan e dar à Turquia liberdade e democracia.

Últimas