Quão severa será a época da gripe no inverno que se aproxima? A resposta tem inquietado políticos e ocupado cientistas. O fim do inverno no hemisfério sul e o tempo da ciência, aquele que é necessário para procurar evidências e debater contraditórios, já permite apontar para algumas pistas.
Antes, recordar duas ideias. Uma é que o vírus que causa a Covid-19 não é o vírus que causa a gripe, embora o modo de transmissão e os sintomas tenham parecenças. A outra ideia é que nos anos de 2020 e 2021 a atividade gripal registada no mundo foi anormalmente residual.
A explicação mais sólida prende-se com o sucesso que as medidas de controlo da Covid-19 representaram também no controlo da gripe. Estimativas mostram que a utilização de máscaras, confinamentos, lotação limitada de espaços fechados e a redução do contacto social podem ter contribuído para reduzir a transmissão da gripe até 60%.
O reverso da medalha da baixa atividade gripal nos anos da pandemia é o aumento da suscetibilidade das populações em contraírem a infeção neste outono/inverno. Logo, sim, espera-se um número elevado de casos de gripe nas próximas semanas e meses.
A dúvida que se coloca após a vida social ter regressado ao normal é que impacto estas infeções terão na saúde das populações (qual a intensidade dos sintomas) e nos serviços de saúde (qual a severidade da doença).
Primeiro, porque desconhecem-se as implicações da esmagadora maioria das pessoas não ter tido contacto com os vírus da gripe durante dois anos. Segundo, porque em muitos países as campanhas de vacinação contra a gripe foram interrompidas e/ou a adesão das pessoas diminuiu. Terceiro, porque não é claro o efeito da circulação conjunta da gripe e da Covid-19. Quarto, porque ninguém sabe com certeza o que acontecerá em relação à Covid-19. A eventualidade de haver algum recuo no alívio das medidas terá outra vez consequências na circulação dos vírus da gripe.
Os dados do hemisfério sul – onde o inverno ocorre entre junho e setembro – mostram que a época gripal foi mais severa do que nos anos anteriores à pandemia. Significa que começou mais cedo e teve vários picos.
No entanto, há fatores-chave que condicionam as implicações de uma forte atividade gripal. Por exemplo, as características meteorológicas (vagas de frio), o nível da vacinação contra a gripe e os comportamentos preventivos perante sintomas.
Com se percebe, parte destes fatores não depende das pessoas. Mas outra parte depende ora das decisões políticas ora dos comportamentos individuais. A dedução lógica é que há espaço de manobra para minimizar os efeitos indesejáveis caso a gripe atinja com força o hemisfério norte.
Aumentar a oferta de vacinas contra a gripe e garantir a vacinação das pessoas mais vulneráveis, manter ativos planos de comunicação e de educação das populações acerca dos comportamentos adequados em caso de suspeita de infeção ou sintomas e sensibilizar as empresas para medidas adotadas durante a pandemia, por exemplo o teletrabalho, estão entre o leque das opções.
Isto mostra o quão podemos e devemos aprender com a disrupção causada pela Covid-19. Todos os anos há excesso de mortalidade provocada por gripe e pneumonias e vivia-se num estado de letargia em relação a isso. O combate à Covid-19 mostrou que é possível fazer diferente: proteger os mais vulneráveis e os sistemas de saúde. Sobretudo, mostrou que as medidas preventivas salvam vidas e permitem ajudar os profissionais de saúde a dar respostas de qualidade a todas as doenças que simplesmente não desaparecem.
Que os 2 anos passados com enorme esforço, aflição e dedicação tenham servido para alguma coisa. O que acontecer com a gripe que nos espera será o primeiro grande sinal disso.