O acordo para acabar com a ofensiva da Turquia contra as forças curdas na Síria constitui uma vitória para o Presidente Recep Tayyip Erdogan, mas pode ser de curta duração, consideraram esta sexta-feira analistas.
Os especialistas citados pela agência France Presse acreditam que os ganhos turcos podem desaparecer na ausência de um acordo com a Rússia, importante participante no conflito, e através dela com o regime de Bashar al-Assad.
O acordo anunciado na quinta-feira após uma reunião de Erdogan com o vice-Presidente norte-americano, Mike Pence, prevê a suspensão por cinco dias da ofensiva lançada a 09 de outubro e o fim da operação militar se as milícias curdo-sírias das Unidades de Proteção Popular (YPG), consideradas terroristas por Ancara, se retirarem durante aquele período das zonas fronteiriças da Turquia no nordeste da Síria.
Erdogan alcançou os seus principais objetivos, a retirada das YPG e a criação de uma "zona de segurança" de 32 metros de largura em território sírio, embora o comprimento dessa faixa, que o presidente turco quer estender por 480 quilómetros, não tenha ficado definido.
A operação foi lançada após a aparente "luz verde" dada pelo Presidente norte-americano, Donald Trump, que retirou os seus militares da região, suscitando críticas internas e externas face ao papel crucial das YPG na luta contra os 'jihadistas' do Daesh.
Para tentarem travar a ofensiva, as YPG apelaram às forças do regime de Assad, que foram destacadas para zonas que não controlavam há vários anos.
"A Turquia parece ter obtido uma vitória a curto prazo, principalmente porque Ancara conseguiu minar os laços entre Washington e as YPG", considera Soner Cagaptay, do Instituto de Política do Próximo Oriente de Washington.
"Os Estados Unidos são os grandes perdedores pois abandonam esta zona da Síria, deixando-a à Rússia e aos seus aliados, o Irão e o regime sírio", adianta.
Anthony Skinner, analista da empresa de consultoria de risco Verisk Maplecroft, também considera que o acordo "é uma vitória para o Presidente Erdogan".
A declaração conjunta que oficializa o acordo "confirma por escrito a aceitação pela Casa Branca de um controlo do exército turco sobre territórios no nordeste da Síria", assinala.
Nota ainda que o acordo, para grande satisfação de Ancara, compromete Washington a recuperar "as armas pesadas das YPG e a neutralizar as suas fortificações e posições de combate".
Cagaptay refere, por outro lado, que o regime sírio pode instrumentalizar as YPG, consideradas pela Turquia o ramo sírio do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK, guerrilha ativa em território turco desde 1984).
"O PKK foi criado nos anos 1970 com o apoio do regime sírio e nos anos 1980 e 1990 lançou ataques contra a Turquia a partir da Síria", explicou, adiantando: "Penso que o regime (de Assad) se vai servir do PKK como moeda de troca nas negociações com Erdogan".
Segundo ele, Assad poderá por exemplo propor "amordaçar o PKK em troca da retirada da Turquia dos territórios que controla no norte da Síria".
"Erdogan provavelmente dirá que sim se Assad aceitar receber uma parte dos refugiados" instalados na Turquia, considera Cagaptay.
Skinner pensa que o acordo turco-norte-americano "não valerá nada se o Presidente Assad e a Rússia decidirem boicotá-lo", considerando que "os acordos sobre a Síria que excluem os outros atores principais, nomeadamente Moscovo, Damasco mas também Teerão, podem ser inúteis".
Os jornais turcos, na maioria pró-governamentais, saudaram o acordo como "uma grande vitória" para a Turquia, onde dezenas de pessoas foram detidas por terem criticado a ofensiva nas redes sociais.
Lusa