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O que está a acontecer na Líbia

Perguntas e respostas: conflitos antigos e recentes intensificam o caos na Líbia.

Manu Brabo

Duas forças disputam o poder

A Líbia está novamente mergulhada numa situação de caos político, com duas forças a disputar o poder e uma profusão de milícias locais, tribais e islamitas a ameaçar um regresso da guerra civil ao país. A luta desenvolve-se entre, por um lado, um Governo de União Nacional, estabelecido em 2015 em Tripoli, reconhecido pela comunidade internacional e pela ONU e, por outro, um "Governo paralelo" que tem a sua base de poder no leste do país, liderado pelo marechal Haftar, um militar dissidente do regime de Muammar Kadhafi, morto em 2011.

Refúgio de extremistas e um importante canal de passagem de migrantes, a Líbia passou de país rico em petróleo para região dilacerada e em permanente conflito, após a queda do Presidente Muammar Kadhafi, um ditador que governou a Líbia durante 42 anos.


Como é que a Líbia chegou a esta situação?

As chamadas Primaveras Áabes que se registaram na região no início de 2011 levaram os líbios a sublevarem-se, em fevereiro desse ano, contra Khadafi, que respondeu com uma feroz repressão militar. À medida que a sublevação ia rapidamente escalando para uma guerra civil, Khadafi lançou inúmeros tanques para a cidade e ameaçou massacrar os manifestantes uma a um, rua a rua.

A NATO respondeu bombardeando as forças de Khadafi e presumivelmente fornecendo apoio aéreo a uma aliança de milícias rebeldes, ajudando-a a subir ao poder.

Os rebeldes capturaram Khadafi na sua casa em Sirte, em outubro de 2011, e mataram-no, divulgando depois um vídeo com imagens dele a ser espancado e humilhado.

A Líbia realizou eleições no ano seguinte, mas o Governo não conseguiu controlar o vasto número de milícias e a transição democrática foi suspensa.

As lutas emergiram em Tripoli no verão de 2014, deixando o aeroporto internacional destruído e provocando a separação de governos entre a capital e o leste da Líbia, cada um dos lados apoiado por vários grupos armados.

Em 2015, as Nações Unidas apoiaram a formação de um governo de transição em Tripoli, sob liderança do tecnocrata Fayez al-Sarraj, mas o governo situado no leste da Líbia não reconheceu autoridade ao primeiro.


Quem é Khalifa Haftar?

O marechal Haftar ajudou Khadafi a chegar ao poder em 1969, quando este liderou um bem sucedido golpe de Estado contra a monarquia e ascendeu entre a classe militar, chegando a comandar as forças líbias na guerra israelo-árabe, em 1973. Mas a sua reputação foi completamente destruída pela derrota da Líbia na guerra com o Chade nos anos 1980, quando chegou mesmo a ser capturado.

Quando o confito acalmou, Haftar desertou e juntou-se à oposição armada de Khadafi, orquestrando vários golpes de Estado, todos falhados.

Acabou por se exilar em Washington, onde viveu 20 anos, situação que levou muitos a especular que terá trabalhado com a CIA. Regressou à Líbia em 2011 e comandou as forças rebeldes na revolta contra Khadafi, mas o seu entusiasmo diminuiu perante o caos que se formou a seguir à morte de Khadafi e resolveu organizar uma campanha contra os vários grupos de militantes islâmicos situados no leste da Líbia.

Nos últimos anos, travou uma série de batalhas, provocando uma faixa de destruição, mas conseguindo retomar o poder na maior parte do leste da Líbia, incluindo as explorações de petróleo aí instaladas. Nos últimos meses, expandiu a sua influência no sul, agregando fações e tribos locais.

Classificando os seus oponentes como extremistas islâmicos, Haftar baseia a sua conduta no Presidente do Egito, Abdel-Fattah al-Sisi, que liderou, em 2013, um golpe militar para derrubar o Presidente islamita eleito Mohammed Morsi. Haftar é apoiado pelo Egito e pelos Emirados Árabes Unidos, Rússia e França. Os seus partidários veem-no como a melhor esperança para estabilizar o país conturbado e lutar contra os extremistas.

Quem luta contra quem?

Haftar deverá enfrentar forte resistência de milícias poderosas das cidades ocidentais de Misrata e Zawiyah, duas áreas que registaram combates violentos durante a revolta de 2011. As milícias de Zawiyah capturaram 100 combatentes das forças da Haftar no passado dia 05, um dia depois de Haftar ter lançado uma ofensiva.

Os Misratans, população habituada a várias batalhas, lideraram o combate contra o Daesh em 2016, conseguindo, com apoio aéreo dos Estados Unidos, empurrá-lo até ao seu último reduto, em Sirte.

As fações de Tripoli, por seu lado, apresentam-se como herdeiras da revolução de 2011, mas são frequentemente acusadas do descarrilamento da transição política, nomeadamente devido a uma política de sequestros - entre os quais se inclui o do primeiro-ministro transitório -, extorsões e violência.

As forças de Tripoli têm recebido apoio da Turquia e do Qatar como parte da rivalidade regional entre os dois países, o Egito e os Emirados Árabes Unidos. Alguns países europeus também forneceram ajuda a grupos armados locais para conter o fluxo de migrantes, a proliferação de extremistas e proteger o abastecimento de petróleo.

O Governo patrocinado pelas Nações Unidas procurou apoio das milícias quando tentou ganhar posições na capital mas, desde setembro, as próprias milícias têm estado envolvidas entre si em confrontos cada vez mais violentos.

O Conselho de Segurança da ONU apelou, entretanto, a Haftar para que ponha fim à sua ofensiva e tente, em vez disso, reduzir a escalada da situação. O enviado da ONU Ghassan Salamé anunciou pretender convocar uma conferência nacional para entre 14 e 16 deste mês, para ajudar a organizar novas eleições na Líbia.

Lusa

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