O uniforme do antigo oficial
Jeong Min-woo tem 29 anos e nasceu na cidade de Hyesan, na fronteira com a China. Era um oficial das Forças Armadas da Coreia do Norte e fugiu do país com o uniforme no corpo. Segundo a agência Reuters, o antigo militar chegou à Coreia do Sul em novembro de 2013.
"Não desertei a minha unidade, fui-me embora para ganhar dinheiro. Disse aos guardas da fronteira que ia-me embora. Consegui, visto que éramos todos militares."
Jeong Min-woo conta que percorreu o continente asiático e, quando chegou à Tailândia, trocou finalmente para roupas à civil. Contudo, o uniforme nunca deixou de estar ao seu lado. O antigo militar confessou que um dos seus desejos era voltar um dia à Coreia do Norte e, para isso, iria precisar do uniforme.
"Um uniforme militar e um bilhete de identidade são bens valiosos na Coreia do Norte. Os militares podem fazer qualquer coisa."
Na Coreia do Sul, teve de entregar o uniforme aos serviços de inteligência, mas, através de contactos com antigos colegas na Coreia do Norte, Jeong Min-woo conseguiu em 2014 que lhe enviassem um novo uniforme. Foi contrabandeado a partir do rio que separa as Coreias. Existe até uma taxa para conseguir passar coisas no rio.
"Depois tive de pagar uma taxa nos correios da Coreia do Sul. A coisa toda custou-me umas centenas de euros."
A agência Reuters conta que não é suposto as pessoas venderem os uniformes, sendo que os que o fazem, fazem-no secretamente. Jeong Min-woo revela ainda que usava o uniforme todos os dias no país natal, mesmo quando não estava em serviço. Fazia-o para conseguir conduzir e para que ninguém se metesse com ele ou tentasse roubar alguma coisa de si.
"Se eu voltasse, ia precisar do uniforme para conduzir carros e para roubar."
O casaco enviado para a filha
Kang tem 29 anos e vem de uma família considerada média-alta na Coreia do Norte. Chegou à Coreia do Sul em 2010 e, foi no mesmo ano, que a família enviou um casaco através da China.
"Não pedi à minha mãe que me enviasse este casaco", explicou Kang que, segundo a agência Reuters, preferiu ser identificada apenas pelo último nome. "Mas ela sabia que era facilmente afetada pelo frio e, por isso, enviou-me. Ela mandou-me dinheiro também, mas acabou por se perder no caminho."
A mulher conta que o casaco é feio de pelo de cão e que é considerado um produto muito caro no seu país natal. Algo que pouca gente consegue adquirir. Há 8 anos, o casaco valia 700 mil won coreanos (cerca de 80 euros).
"Muitas pessoas não conseguiram comprar este tipo de casaco, nem mesmo soldados. Oficiais talvez conseguissem."
Estes casacos são muito famosos na Coreia do Norte, o que acabou por levar ao aparecimento de peças falsas, mas mais baratas. Kang revela que o seu é falso, mas que terá custado à mesma muito dinheiro.
"Por me fazer parecer tão gorda, não o uso aqui. Penso que o poderia voltar a usar se o alterasse."
O fugitivo que levou o bilhete de identidade
Lee Oui-ryuk tem 30 anos e nasceu em Onsong, na cidade fronteiriça com a China. Desertou em 2010 e, com ele, levou o bilhete de identidade. No cartão, aparece a data de emissão - 7 de novembro de 2006 - e o tipo de sangue, que aparece como "A", mas é na verdade "O".
"Durante os 23 anos que vivi na Coreia do Norte, pensei que o meu tipo de sangue fosse o A. Eles escreveram o meu tipo de sangue sem mesmo fazer um teste. Escreveram o que quiseram."
O homem foi apanhado a tentar fugir do país natal na altura do aniversário de Kim Jong-il, o líder norte-coreano que governou até 2011 e pai do atual Líder Supremo, Kim Jong-un. Na altura, a segurança nas fronteiras foi reforçada.
Lee Oui-ryuk foi atingido pelas balas disparadas pelos militares, no rio Tumen. O homem conseguiu fugir e esconder-se, mas acabou por ser apanhado. Foi detido pelo Departamento de Segurança e interrogado durante três meses.
Depois de ser acusado de tentar desertar, Lee Oui-ryuk foi enviado para um campo para os prisioneiros políticos. Mas não foi este o seu fim. A caminho do campo, o homem conseguiu fugir uma vez mais.
Foi em casa da irmã que conseguiu as 12 fotografias e o cartão de identidade.
"Eu precisava do meu bilhete de identidade para conseguir mover-me sem ser apanhado. E trouxe as fotografias no caso de querer lembrar o passado. Escrevi na parte de trás para nunca esquecer."
O filho que perdeu o pai na travessia
Song Byeok era um artista de propaganda. O pai afogou-se na sua primeira tentativa para atravessar o rio Tumen, em 2000. Quando o artista conseguiu finalmente sair da Coreia do Norte, em 2001, trouxe consigo fotografias de família.
O homem conta como saiu de casa com o pai e foram até ao rio, na esperança que poderem chegar à China e encontrar comida. Foi na travessia que as coisas começaram a correr mal. Acorrentados com as roupas, estas começaram a enfraquecer e, quando Song Byeok olhou para trás, viu o seu pai ir na corrente.
"Fiquei devastado. Ele estava a afogar-se. Corri até aos guardas da fronteira (Coreia do Norte) e pedi que o salvassem, mas eles só me perguntaram porque é que eu tinha saído da água e porque é que não tinha morrido também."
O homem foi detido e levado para o Departamento de Segurança, onde foi torturado, e depois levado para uma prisão, onde ficou preso durante quatro meses. Após ser libertado, voltou a casa e agarrou numa série de fotografias de família, pronto para tentar fugir outra vez.
"Nunca encontrei o meu pai. Depois de ir para a Coreia do Sul, voltei à China em 2004 para fazer uma homenagem. O meu coração ainda dói."
O académico que mantém diários
Lee Min-bok tem 60 anos e era um investigador na Academia de Ciências da Agricultura na Coreia do Norte. Tentou desertar pela primeira vez, sem sucesso, em 1990. Eventualmente, conseguiu fugir em 1991 e foi para a Coreia do Sul em 1995. A família enviou-lhe diários.
"Tenho um lado académico. Segundo os ensinamentos de Kim II Sung, as pessoas devem manter diários. Toda a gente na Coreia do Norte deve seguir à regra os ensinamentos de Kim II Sung, por isso fiz o que era suposto fazer e mantive um diário."
O homem conta como apesar de Kim II Sung ser um "vilão" fora da Coreia do Norte, lá está acima de tudo e todos. Lee Min-bok recebeu os diários 10 anos depois de fugir, mas desde então tem enviado dinheiro para a família.
"Os meu diários são uma recordação da minha história na Coreia do Norte. Estou a pensar transformá-los num livro."
O homem revela como os diários mostram como os norte-coreanos pensam e como a sua mente está construída.
"As pessoas precisam de tornar isto num livro, porque precisam de provas. Falar não é assim tão eficaz."
As muletas que não permitem esquecer
Ji Sung-ho tem 36 anos e nasceu em Hoeryong, perto da fronteira com a China. Fugiu da Coreia do Norte em 2006 com um par de muletas de madeira. O homem conta à agência Reuters que viveu a sua infância como um mendigo e que perdeu a perna e a mão, depois de cair de um comboio, onde estava a roubar carvão.
"Tive de trazer as muletas. Se não as tivesse comigo, não conseguiria chegar até aqui."
Ji Sung-ho revela que o Estado norte-coreano não ajuda pessoas que sofrem este tipo de lesões.
As muletas foram usadas durante 10 anos até chegar à Coreia do Sul, quando tinha 25 anos. Pelas suas mãos passaram muitas canadianas, que acabam partidas em comboios ou tiradas pela polícia.
Quando chegou à Coreia do Sul, pensou em atirá-las para o lixo. O serviço de inteligência do sul deu-lhe uma prótese.
"Os meus amigos dizem que eu preciso de me livrar as muletas e não pensar na Coreia do Norte."
Mas o homem admite que não se consegue livrar das peças de madeira.
"Existe muito amor dos meus amigos norte-coreanos e da minha família nestas muletas. Tenho umas novas, mas mantenho estas comigo para nunca esquecer."
Os diários das memórias passadas
Baek Hwa-sung fugiu de Sinuiju, na fronteira com a China, em 2003, e chegou à Coreia do Sul em 2008. O homem de 34 anos manteve um diário.
"Em 2004, comei a escrever todos os meus pensamentos num diário. Não sabia se ia ser apanhado. Queria apenas que soubessem de onde era e para onde queria ir."
Depois de fugir do norte, o homem entrou em depressão e escondeu-se durante algum tempo sozinho nas montanhas. Admite que, várias vezes, sentiu que ia ficar maluco. Os diários são a prova da viagem da sua vida.
"Leio-os quando quero lembrar-me de casa. Às vezes esqueço-me do aniversário do meu pai, mas quando volto ao diário, o seu aniversário e o da minha mãe estão lá. Os meus diários são a recordação da minha vida. Eles provam que estou vivo."
A mãe que quer voltar
Kim Ryon Hui tem 49 anos e é de Pyongyang. Nunca quis desertar mas, em 2011, um agente ajudou-a a ir à China para receber tratamento para o fígado. De acordo com a mulher, o agente enganou-a e ela acabou na Coreia do Sul. Kim Ryon Hui está a fazer campanha para voltar, mas Seul diz que isso seria contra a lei.
"Tenho saudados dos meus pais e ainda mais da minha filha. São tudo para mim."
A mulher diz que o seu maior medo é que eles morram sem que ela tenha a oportunidade de voltar. Kim Ryon Hui e a filha têm trocado cartas e fotografias, através de uma prima que vive na China.
"Não quero que a minha filha viva a sua vida sem mim."
Ri Ryon Gum tem 25 anos e, quando era pequena, fazia Taekwondo.
"Ela queria envolver-se em operações de espionagem contra a Coreia do Sul. Ela era tão destemida."
Por isso, ficou tão surpresa quando descobriu que a filha se tinha tornado numa chef.
"Quando se mudou para a casa do pai, começou a cozinhar para ele. Ela decidiu tornar-se numa chef para cumprir o meu papel em casa. Fiquei muito triste quando soube disso."