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EUA e NATO retiram parcialmente do Afeganistão 13 anos após invasão

A promessa eleitoral de Barack Obama sobre uma retirada militar do Afeganistão vai ser cumprida na quarta-feira, apesar de milhares de tropas estrangeiras permanecerem no terreno, entre receios sobre novas investidas talibãs num país em guerra desde 2001.   

© Parwiz Parwiz / Reuters
Num cenário de grande turbulência regional, Estados Unidos e NATO vão liderar uma "missão de apoio" no Afeganistão pelo menos até 2016, enquanto se intensificam os esforços para promover o desenvolvimento de um país assolado por conflitos quase permanentes desde a invasão soviética de 1979.  

Em setembro, após difíceis negociações, o embaixador dos EUA, James B. Cunningham, e o conselheiro para a segurança nacional afegã, Mohammad Hanif, assinaram em Cabul o Acordo de Segurança Bilateral (BSA), que define o futuro estatuto das forças da NATO e dos EUA no Afeganistão. 

O BSA estipula que 9.800 tropas norte-americanas e pelo menos 2.000 soldados da NATO permaneçam no país após o fim formal da missão de combate internacional em 31 de dezembro. 

A sua missão consiste em prosseguir o treino das forças afegãs e promover operações de combate ao terrorismo dirigidas aos eventuais redutos da Al-Qaida. 

A atual Força Internacional de Assistência à Segurança (ISAF) será substituída por uma missão de treino, com um quartel-general em Cabul e seis bases militares pelo país. O BSA também prevê que os EUA mantenham bases operacionais em nove regiões do Afeganistão, com Jalalabad (leste) vocacionada para o lançamento de missões armadas de aviões não tripulados ('drones'), que também têm atuado ao longo da fronteira com o Paquistão. 

O acordo também isenta o pessoal militar dos EUA de ser submetido às leis afegãs por eventuais crimes cometidos, ficando apenas sujeito à jurisdição norte-americana.  

Mas os desafios com que se debate o país asiático não se limitam à questão militar. Um relatório divulgado em meados de dezembro por John Sopko, inspetor-geral especial norte-americano para a reconstrução do Afeganistão, listou as sete "feridas" com que irá debater-se o Afeganistão "pós-2014", que inclui a fragilidade do Estado e do exército, para além da corrupção endémica e da questão da produção e tráfico de droga. 

O relatório desta entidade independente, que desde 2008 tenta controlar os avultados gastos dos EUA no Afeganistão, concluiu que Washington despendeu cerca de 62 mil milhões de dólares (51 mil milhões de euros) nas forças de segurança afegãs, um esforço que poderá colapsar sem a permanência da prevista missão de formação.

Em 2012, já durante a presidência de Barack Obama, os EUA possuíam mais de 90.000 soldados no terreno, para além dos milhares de militares integrados na ISAF, uma coligação de 48 países que no início de dezembro ainda contribuíam com 13.336 militares para o combatem contra 19 organizações insurgentes, também ativas no vizinho Paquistão. 

A guerra do Afeganistão, a mais longa em que os Estados Unidos se envolveram, resultou até agora, segundo o site especializado "icasulaties.org", na morte de um total de 3.485 militares, dos quais 2.356 das forças armadas dos Estados Unidos. O Reino Unido é o segundo país com mais baixas no Afeganistão, com 453 militares mortos.

Portugal, que desde 2002 fez passar pelo Afeganistão cerca 3.100 militares, sofreu dois mortos, João Roma Pereira, sargento do Regimento de Comandos e Sérgio Pedrosa, soldado paraquedista.

Relatórios das Nações Unidas e de diversas ONG, incluindo a 'Human Rights Watch', indicam que pelo menos 20.000 civis afegãos foram mortos, dezenas de milhares feridos e centenas de milhares forçados a abandonar as suas casas no decurso dos 13 anos de conflito. 

Os preparativos da retirada das forças internacionais foram ultimados pelo recém-formado governo de unidade nacional afegão, anunciado em setembro na sequência de intensa pressão norte-americana e quando as divergências entre os dois candidatos presidenciais rivais quase originaram um conflito armado.  

Ashraf Ghani Ahmadzai, independente, acabou por assumir a chefia do Estado afegão, enquanto Abdullah Abdullah, ex-chefe da diplomacia na presidência de Hamid Karzai, ocupou o cargo de primeiro-ministro. 

Apesar do acordo entre as duas fações no poder, os talibãs acentuaram a sua pressão militar em quase todas as províncias, enquanto o governo central de Cabul permanecia confrontado com graves problemas financeiros. 

O receio de uma guerra civil em larga escala nos próximos meses tem sido admitido por diversos observadores, que também alertam para as potenciais ameaças para a segurança dos Estados Unidos. 

Um estudo da universidade de Harvard indica que os países e instituições internacionais envolvidos no Afeganistão despenderam mais de três mil milhões de dólares (2,5 mil milhões de euros) na guerra desencadeada há 13 anos, após os atentados de 11 de setembro de 2001. 

Apesar do acordo para a permanência de tropas estrangeiras, destinadas a fornecer apoio ao exército afegão, na atual situação nada parece garantido. Como também não parece garantido o trabalho e o dinheiro investido pelos doadores internacionais.  

Na concretização do plano para a retirada, a ISAF também completou a transferência para as forças de segurança afegãs do controlo de todos os distritos do país. 

Ainda segundo o acordo entre Washington e Cabul, a força de 9.800 soldados norte-americanos que permanecerá no Afeganistão deverá ser reduzida para metade em 2016, com as forças dos EUA a permaneceram desde então apenas na capital e na base aérea de Bagram. E em 2017 o acordo prevê apenas algumas centenas de conselheiros militares, e associados à embaixada. 

O BSA, que entra em vigor em 1 de janeiro, deverá manter-se pelo menos "até ao final de 2024". O que poderá significar, atendendo à evolução da situação no terreno, um envolvimento da "missão de apoio" em ações de combate, e a eternização da presença militar internacional.

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