A 23 de outubro de 1940, nascia em Três Corações aquele que viria a tornar-se um dos maiores ícones da história. Do futebol, do desporto, de um país, do mundo.
Um pequeno município no sul do estado de Minas Gerais testemunhava o primeiro dia de vida de um dos poucos homens cujo nome completo muitos (e muitos) adeptos de futebol têm na ponta da língua. Edson Arantes do Nascimento, três palavras que, quando proferidas, nos transportam num ápice para quatro letras eternizadas nas memórias de todos os amantes do desporto-rei: Pelé.
Porquê Pelé?
Um nome simples, como as origens do astro brasileiro. O talento recebeu-o, em parte, do pai, João Ramos do Nascimento, Dondinho no universo futebolístico. Um avançado com um instinto fatal para o golo - estatísticas não oficiais atribuem-lhe 893 em 775 jogos.
Edson, filho também da “Dona Celeste” Arantes (que completou em novembro 100 anos de vida) era uma presença assídua nos jogos do pai e, quando Dondinho representava o Vasco da Gama de São Lourenço, clube de Minas Gerais, a principal figura da equipa era o guarda-redes Bilé. Era um dos preferidos do pequeno Edson, cuja dicção, ainda em desenvolvimento, não permitia dizer o nome da forma correta. Chamava-lhe Pelé. Um lapso inocente tornou-se a nova alcunha do menino. Assim nascia uma estrela.
De Bauru para o mundo
Aos quatro anos, mudou-se para a cidade paulista de Bauru, que apadrinhou o início da caminhada nos relvados. 7 de setembro, América, Bauru Atlético Clube e Noroeste foram os clubes que acolheram o pequeno Edson entre o fim da infância e o início da adolescência. O futebol era o foco, mas, sempre que o tempo e a vontade se conciliavam, dava também um ar da sua graça na quadra, na equipa de futsal do Radium, em Mococa (estado de São Paulo).
Aos 16 anos, um talento que já não cabia na esfera do futebol amador alcançou a ribalta. Chegou ao Santos pelas mãos do antigo internacional brasileiro Waldemar de Brito, que deixou, desde cedo, uma garantia aos dirigentes do “Peixe”: “Esse menino vai ser o melhor jogador de futebol do mundo”.
Cedo começou a destacar-se entre os demais e um hat-trick ao Belenenses, no mítico Maracanã, durante um torneio particular com quatro equipas brasileiras e quatro emblemas europeus, centrou no jovem Pelé todas as objetivas. Um ano depois foi convocado pela primeira vez para a seleção brasileira e não passaram 365 dias entre a primeira internacionalização e a oportunidade de participar, pela primeira vez, num Mundial de futebol.
O novo herói do Brasil
Suécia, 1958. O Brasil procurava a glória que lhe fugira oito anos antes, no traumatizante “Maracanazo", que testemunhou o segundo título mundial do Uruguai, em pleno Rio, às custas da “canarinha”.
O sonho brasileiro de conquistar a primeira Copa do Mundo era legítimo e tinha, como principal trunfo, um prodígio de apenas 17 anos. A primeira titularidade aconteceu no último jogo da fase de grupos, diante da União Soviética (triunfo brasileiro por 2-0). Selado o apuramento para os quartos de final, Pelé estreou-se a marcar no torneio precisamente nesse duelo, perante o País de Gales. Um golo decisivo que garantiu uma vaga nas meias-finais.
Nos últimos dois jogos do torneio, Pelé transfigurou-se e o apogeu exibicional, com um hat-trick na meia-final (5-2 à França) e um bis na grande final (5-2 à Suécia), consagrou o menino como o herói de um país que, por fim, celebrava a conquista do mais cobiçado troféu de seleções.
Na sua primeira viagem ao estrangeiro, o menino homem cumpriu a promessa feita ao pai: vencer um Campeonato do Mundo. No final do jogo, um rolo descompressor de emoções, muitas lágrimas e um êxtase que chegou mesmo a deixar o jovem Pelé sem sentidos. “Realizei o meu maior sonho, com 17 anos”.
Santos, o clube de sempre
Terminada a epopeia escandinava, era tempo de regressar ao Brasil e ao Santos. Embalado pelo incrível feito alcançado ao serviço da “canarinha”, Pelé foi fundamental na conquista do Campeonato Paulista em 1958, do qual foi o melhor marcador, com 58 golos em 38 partidas.
O astro brasileiro comandou o “Peixe” na era mais dourada na história do clube: entre 1959 e 1962, venceu três campeonatos paulistas, duas Taças do Brasil e uma Copa Libertadores. No entanto, no terceiro ano da década de 60, houve dois títulos que se realçaram entre os demais.
Se no “bi” do Brasil, no Mundial de '62, no Chile, o título teve um sabor agridoce para Pelé (lesionou-se a meio do segundo jogo da fase de grupos e falhou os restantes encontros), a vitória na Taça Intercontinental de 1962 deixou o mundo (novamente) a seus pés.
Na final, decidida a duas mãos, o Santos defrontou o campeão europeu Benfica e venceu ambos os duelos: o primeiro no Maracanã, por 3-2, com um bis do inevitável Pelé; e o segundo na Luz, por 5-2, no qual o virtuoso avançado brasileiro apontou um hat-trick e assinou uma das melhores exibições da carreira.
No ano seguinte, a vítima na final da Taça Intercontinental foi o AC Milan. Bicampeão mundial de clubes e seleções, Pelé era já um ícone do futebol internacional.
Os golos, os dribles, as jogadas geniais, as finalizações sublimes e o talento extraordinário valeram-lhe o estatuto de “Rei”. Conquistou tudo o que havia para conquistar no Santos, a “casa mãe” que representou ao longo de quase toda a carreira.
Um palmarés invejável que inclui duas Taças Intercontinentais, uma Recopa Intercontinental, duas Copas Libertadores, cinco Taças do Brasil e 11 Campeonatos Paulistas.
Um salto para a imortalidade
Na seleção, o salto para a eternidade foi selado em 1970, com a conquista do "tri", no Mundial do México. O “Rei” liderou aquela que é considerada por muitos como uma das melhores seleções de todos os tempos. Jairzinho, Tostão, Carlos Alberto ou Gerson, uma verdadeira sinfonia de samba, sob a batuta do maestro Pelé.
Mais de 100 mil pessoas testemunharam in loco, no monumental Estádio Azteca, uma final que opôs estilos contrastantes e na qual, mais do que o terceiro título de campeão do mundo, Brasil e Itália discutiam a posse definitiva da Taça Jules Rimet.
Um golo, duas assistências e uma exibição assombrosa do “Rei” valeram um triunfo épico (4-1) e a consagração de uma geração dourada do futebol brasileiro. Pelé tornava-se o primeiro (e único, até hoje) jogador a vencer três Mundiais de futebol.
Deixou o Santos e o futebol brasileiro em outubro de 1974. Um adeus emotivo ao clube de sempre, num encontro do Campeonato Paulista frente ao Ponte Preta (2-0). O fim de uma era na Vila Belmiro antecedia, aos 34 anos, a primeira aventura clubística além-fronteiras do astro brasileiro.
O sonho americano
A chegada de Pelé ao New York Cosmos foi uma das primeiras apostas de elevada envergadura em trazer maior interesse e prestígio ao futebol nos Estados Unidos, a par de estrelas como Eusébio, Beckenbauer ou Cruyff.
Um investimento milionário do clube novaiorquino, que oferecia a Pelé um contrato de 7 milhões de dólares.
O impacto foi imediato: a presença de público nas bancadas para os jogos do Cosmos mais do que triplicou, com o recorde de assistência na história do clube a ser quebrado em três ocasiões. Também as audiências televisivas disparavam nos EUA quando Pelé estava em campo.
Mais de 60 jogos e 37 golos depois, as três épocas nos EUA foram culminadas com a conquista da Liga norte-americana, em 1977. O adeus definitivo ao futebol profissional aconteceu a 10 de outubro desse mesmo ano, num jogo particular entre o NY Cosmos… e o Santos. Triunfo norte-americano por 2-1, com Pelé a jogar uma parte de cada lado (e a marcar um dos golos do emblema novaiorquino), num duelo em que o único derrotado foi o futebol, já que perdia uma das suas maiores referências.
Os números falam por si: 756 golos em 818 jogos oficiais, três títulos de campeão mundial pelo Brasil, múltiplas conquistas e um talento do tamanho do mundo que cabia em apenas quatro letras. Aos 82 anos, deixou-nos fisicamente, mas o seu legado perdurará durante múltiplas gerações. Longa vida ao Rei.