Operação Lava Jato

Fim da Lava Jato ganha força com projeto de unificação de combate à corrupção no Brasil

Projeto promete ser neutro e livre de ideologias.

Lusa

O possível fim dos grupos de trabalho da operação Lava Jato no Brasil tem ganho força nas últimas semanas através de um projeto de unificação de combate à corrupção no país, que promete ser neutro e livre de ideologias.

A promessa é do autor da iniciativa que institui um órgão central de combate à corrupção no Brasil, o subprocurador-geral da República Hindemburgo Chateaubriand, que em entrevista à agência Lusa defendeu a polémica proposta, que tem sido criticada pelos procuradores da Lava Jato, mas que conta com o apoio do procurador-geral da República (PGR), Augusto Aras.

Segundo Chateaubriand, que hoje atua como secretário de Cooperação Internacional do Ministério Público Federal (MPF), a iniciativa começou a ser pensada há quatro anos e envolveu um esforço para convencer o PGR sobre a importância do projeto no futuro do combate à corrupção no Brasil.

"A ideia precisava do aval do PGR, que, confesso, teve receios. Ao longo desse período tentei convencê-lo de que este é um projeto que, do ponto de vista institucional, só faria bem, só tenderia a aprimorar a capacidade do MPF de combater a corrupção. Infelizmente, neste momento em que as coisas estão polarizadas dentro da instituição, as preocupações em relação a esse projeto afloraram de uma maneira, a meu ver, distorcida", disse.

O projeto procura eliminar "algumas deficiências ou fraquezas" da Lava Jato, visando dar um âmbito nacional aos grupos de trabalho, que atualmente estão fixos em determinadas cidades, como é o caso de Curitiba, Rio de Janeiro ou São Paulo; dar condições orçamentais homogéneas a toda a unidade; assim como preservar o conhecimento adquirido ao longo a operação, que teve início em 2014.

"Sou entusiasta do trabalho feito pelos colegas de Curitiba ou do Rio de Janeiro, acho que foi um feito fenomenal para o país, mas isso não significa que eu não pense que não devamos dar um passo adiante", disse o subprocurador.

"Quando se institucionaliza um órgão de combate à corrupção e se gera um modelo orgânico e permanente, apenas se criam condições para torná-lo, cada vez mais, num agente de captação de conhecimentos e de desenvolvimento de novas tecnologias. Ou seja, do ponto de vista racional, só aumentamos e amplificamos o que as atuais lava jatos produziram, tudo é preservado", defendeu.

Segundo o subcurador, os modelos atuais da Lava Jato não são homogéneos, frisando que o grupo de trabalho de Curitiba tem muitos mais recursos financeiros e humanos ao seu dispor do que qualquer outro do país.

"Neste momento não há homogeneidade, Curitiba tem muito mais (meios). (...) Há colegas que recebem desdobramentos da operação da Lava Jato, que também têm necessidade de apoio, e que não têm apoio nenhum, a não ser o do seu próprio gabinete, que é absolutamente inviável do ponto de vista da capacidade de resolver esses problemas", sublinhou Chateaubriand.

Por definição, este grupos de trabalho não são criados para serem eternos, mas sim como um esforço temporário. Assim, setembro será um mês decisivo para o futuro da Lava Jato, ocasião em que o PGR terá de decidir se prorroga ou acaba de vez com o atual modelo dos grupos de trabalho.

Caso Augusto Aras opte por extinguir a Lava Jato no formato em que o mundo a conhece, Hindemburgo Chateaubriand assegura que tem planeada uma "transição adequada" para a ativação da denominada "Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Unac)".

"Não se pode criar uma instituição como essa e desligar os trabalhos dos grupos de trabalho da noite para o dia, porque seria um desastre. Na proposta, a transição gradual foi pensada, definindo que as várias forças tarefas seriam compostas inicialmente pelo período inicial de dois anos, prorrogável por mais dois anos, exatamente pelas mesmas pessoas que hoje compõem esses grupos", explicou à Lusa.

Contudo, a iniciativa de unificar os esforços de combate à corrupção tem sido criticada por procuradores da Lava Jato, maior operação anticorrupção do Brasil, por considerarem que correm o risco de perder autonomia.

Uma das vozes que tem levantado dúvidas acerca da Unac é o próprio coordenador da Lava Jato em Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol, que em entrevista à Lusa frisou a necessidade de garantir a total independência do projeto.

"A Unac pode ser um avanço se for dotada de mecanismos de governança que garantam a sua plena independência. Por um lado, ela permitirá que a experiência seja acumulada e transmitida em um órgão perene, em contraste com as forças-tarefas, que são transitórias", admitiu o coordenador do mais poderoso grupo de trabalho da Lava Jato.

"Por outro lado, se todas as investigações de corrupção política recaírem num só órgão, ele precisa de ser altamente independente. Caso contrário, poderá ceder a pressões políticas ou, mesmo que não ceda, as narrativas políticas minarão sua credibilidade e a do Ministério Público", argumentou Dallagnol.

O procurador sublinhou ainda que deve "obediência à lei e não a pessoas", acrescentando que espera que as atuais divergências dentro do MPF "não minem o apoio necessário para que a responsabilização de poderosos e a recuperação do dinheiro desviado continuem a ser feitas".

Já Hindemburgo Chateaubriand, idealizador da Unac, nega qualquer "contaminação" do projeto com questões ideológicas.

A Unac é um projeto que foi criado de uma forma neutra. Ninguém pode afirmar que é o projeto ideal, que de facto representa, no consenso de todos, uma evolução do sistema das forças tarefas, mas uma coisa é certa: ele jamais nasceu contaminado por algum tipo de ideologia. Nasceu para que pudéssemos evoluir para um sistema institucional de combate à corrupção", concluiu, numa entrevista cedida à Lusa na sede da PGR, em Brasília.

Lançada em 2014, a operação Lava Jato trouxe a público um enorme esquema de corrupção de empresas públicas, como a Petrobras, implicando dezenas de altos responsáveis políticos e económicos, e levando à prisão de muitos deles, como o antigo Presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, que foi condenado pelo antigo juiz e ex-ministro Sergio Moro, e que se encontra atualmente em liberdade condicional.

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