Guterres na ONU

António Guterres: o conciliador com dificuldade nas decisões desagradáveis

O secretário-geral da ONU designado, António Guterres, é descrito por amigos e detratores como um "homem inteligente", um "workaholic" com "enorme capacidade conciliadora", mas também há quem lhe aponte "deslumbramento" e "incapacidade de tomar decisões desagradáveis".

Foi ainda na universidade - licenciou-se em Engenharia Eletrotécnica em 1971 - que António Guterres começou a formar uma das suas imagens de marca: o apoio social aos mais necessitados. Ainda estudante, Guterres liderou o Centro de Ação Social Universitária (CASU) para dar apoio a bairros pobres da cidade de Lisboa.

"Ele dava aulas no Bairro da Curraleira (entretanto demolido e conhecido hoje por Quinta do Lavrado). Fazia ação social permanente nesses bairros pobres. Ele e outros estudantes também ajudaram nas grandes inundações de Lisboa de 1967", recorda à Lusa o padre Vítor Melícias, o franciscano que casou António Guterres, em 1972.

Guterres, 67 anos, católico devoto, conheceu o padre Melícias no "Grupo da Luz", um espaço de discussão religiosa e social que integrava, entre outros, Helena Roseta, Marcelo Rebelo de Sousa ou Diogo de Lucena.

"Reuníamo-nos nas salas do Convento dos Franciscanos no Largo da Luz, uma vez por semana e por vezes até mais", lembra o padre franciscano, realçando que o grupo fazia "análise dos textos mais relacionados com a Ação Social saídos do Concílio Vaticano II".

"Os textos do Concílio Vaticano II foram dos que mais influenciaram o António Guterres. Não só a ele como a outros do grupo, como o Marcelo (Rebelo de Sousa)", realça Vítor Melícias.

O padre franciscano recorda Guterres como "um workaholic" (viciado no trabalho), um "trabalhador com uma capacidade impressionante" e que se destacava "não só pela enorme capacidade para 'ler' os problemas das pessoas, como para os resolver".

O socialista Jorge Coelho foi o braço-direito de António Guterres quando este decidiu avançar para secretário-geral do PS (cargo que desempenhou de 1992 a 2002). Ministro nos dois governos de Guterres, Jorge Coelho destaca a sua capacidade de "fazer pontes" e de "encontrar soluções para as pessoas".

Um conjunto de características que, agora, serão "fundamentais" nas suas novas funções como Secretário-Geral da ONU.

Enquanto primeiro-ministro, de 1995 a 2002 (demitiu-se em dezembro de 2001, após as eleições autárquicas), António Guterres teve de lidar com entidades patronais e federações de sindicatos e deixou impressões contraditórias.

Pedro Ferraz da Costa, que nesses anos presidia à Confederação da Indústria Portuguesa (CIP), elogia-lhe a "inteligência e rapidez de raciocínio", nomeadamente a capacidade de "perceber os interesses diversos das forças em presença".

"Apercebi-me disso quando a presidência rotativa da União Europeia coube a Portugal e ele teve de renegociar a distribuição de fundos aos diferentes países. Tive a sensação - em conversas com ele - de que houve reuniões em que o Guterres percebia quase melhor os problemas de determinado país do que o PM com quem estava a falar. Ele percebia bem quais os problemas em causa e quais eram os pontos em que poderiam chegar a acordo", recorda o empresário à Lusa.

No entanto, Pedro Ferraz da Costa aponta "um grande problema" a António Guterres.

"Ele tem um problema muito grande: gosta tanto que toda a gente goste dele que isso o impossibilitava de tomar decisões. Um chefe de Governo, para gerir um país, tem de tomar decisões que agradam a uns e que não agradam a outros e às vezes que não agradam quase a ninguém mas que são importantes a médio e a longo prazo", afirma Ferraz da Costa.

António Guterres "sabia bem o que fazer", mas "faltava-lhe depois um pouco de determinação para o conseguir realizar" conclui o antigo presidente da CIP.

Jorge Coelho argumenta que Guterres tomava e toma as decisões necessárias, mas "com ponderação" e "pesando bem as alternativas".

"Tomar decisões sem prejudicar violentamente terceiros é uma forma corajosa de ver o mundo", diz o amigo de longa data de Guterres, nascido em 30 de abril de 1949 em Lisboa e cuja infância se dividiu entre a capital e a terra natal da mãe, Donas, na Beira Baixa.

Do lado dos sindicatos, o antigo secretário-geral da CGTP (entre 1986 e 2011) Manuel Carvalho da Silva recorda a capacidade de Guterres de "ouvir e aprender com os outros", mas recorda "um certo deslumbramento" do então primeiro-ministro com a forma como evoluía a situação económica do país.

"Foram os anos antes da Expo 1998 e o António Guterres estava focado na ideia de que a economia portuguesa vivia sem problemas", conta Carvalho da Silva, acrescentando que o primeiro-ministro lhe atendia o telefone quando pretendia transmitir as suas preocupações.

"Um dia numa visita a uma multinacional em Vila do Conde, um dos empresários estrangeiros chamou-me e deu-me conta que a sede queria produção mais barata pelo simples facto de a fábrica estar em Portugal. Liguei ao primeiro-ministro na altura", recorda o sindicalista, enaltecendo a "disponibilidade e o interesse" do chefe de Governo, algo que encontrou "menos" nos líderes de executivo que lhe seguiram.

Em 2002, António Guterres abandonou a política ativa em Portugal, assumiu a posição de consultor do Conselho de Administração da Caixa Geral de Depósitos, até 2005, quando suspendeu a função, saindo em definitivo em 2010.

Em 2005 foi escolhido para Alto-comissário da ONU para os Refugiados, cargo que manteve durante dez anos, e esta quinta-feira tornou-se oficialmente o 9.º secretário-geral da ONU e irá iniciar funções em 1 de janeiro de 2017 para um mandato de cinco anos.

Com Lusa

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