Alterações Climáticas

“A Terra está a tornar-se mais perigosa”: ainda vamos a tempo de salvar milhões de pessoas?

Os alertas chegam de todos os lados e não são de hoje. As consequências das alterações climáticas estão a matar milhares de pessoas em todo o mundo. E as previsões para o futuro, não muito longe, são alarmantes. Os recados estão dados, mas será que ainda vamos a tempo de salvar milhões de vítimas?

Michel Porro

Sandra Varandas

Nos últimos dias chegou mais um alerta. As inundações, as secas e as ondas de calor podem provocar 14,5 milhões de mortes até 2050. O sinal vermelho acendeu com o estudo a "Avaliação do impacto das alterações climáticas na saúde humana", elaborado pela empresa norte-americana de consultoria de gestão OIiver Wyman, em colaboração com o Fórum Económico Mundial (FEM).

De acordo com a investigação, as inundações representam o maior risco de mortalidade, com uma estimativa de 8,5 milhões de mortes até 2050, seguidas pelas secas (3,2 milhões) e as ondas de calor (1,6 milhões).

O estudo estima ainda que nesse ano os custos dos sistemas de saúde para tratar as doenças causadas pelas mudanças climáticas ultrapassem os mil milhões de euros.

Muito se tem falado sobre as alterações climáticas, os invernos excecionalmente quentes, os verões escaldantes, os incêndios florestais descontrolados e o derretimento acelerado dos glaciares.

“A Terra está a tornar-se mais perigosa”

Ainda esta semana, o secretário-geral da ONU lançou um apelo para a ação climática e combate do calor extremo sofrido pelo planeta, depois de ter sido registado o dia mais quente desde que há registos.

"A Terra está a tornar-se mais quente e mais perigosa para todos, em todo o lado (...) O calor extremo é a nova anormalidade", disse António Guterres, ligando este evento meteorológico extremo à ação humana e ao consumo de combustíveis fósseis.

O dia 21 de julho foi o mais quente no mundo desde que os registos começaram em 1940, com uma temperatura média global à superfície da Terra de 17,09 graus Celsius.

Calor extremo exige cuidado com a saúde: quais os sinais de alerta e como reagir?

Em dias de muito calor há pessoas que se sentem mal e, em casos extremos, podem ter que ser hospitalizadas. De acordo com Vasco Peixoto, em entrevista à SIC Notícias, à mínima situação fora do normal, "deve ligar-se para a Saúde 24" (808 24 24 24).

Para o médico especialista em saúde pública, importa dar atenção aos sinais de alerta: sensação de grande cansaço, tonturas, sensação de calor intensa, mal-estar.

O calor extremo mata meio milhão de pessoas por ano, 30 vezes mais do que os ciclones, e a Organização Meteorológica Mundial alertou para um rápido aumento das ondas de calor “em escala, intensidade, frequência e duração”.

Ainda a propósito das consequências das elevadas temperaturas, António Guterres pediu a proteção dos mais vulneráveis e dos trabalhadores.

Mais de 70% dos trabalhadores expostos a calor excessivo

Também um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), citado pela agência Lusa, mostra que as regiões que não estavam habituadas ao calor extremo enfrentam agora riscos acrescidos. Já os trabalhadores que vivem em climas quentes estão sujeitos a condições cada vez mais perigosas.

A nível global, mais de 70% dos trabalhadores foram expostos ao calor excessivo em 2020, um aumento de 8,8% em relação a 2000.

Apesar da percentagem ainda permanecer baixa na Europa e Ásia Central (29%), em comparação com África (92,9%), Estados árabes (83,6%), Ásia-Pacífico (74,7%) e Américas (70%), o clima na Europa aqueceu a um ritmo duas vezes mais rápido do que a média global desde a década de 1980, de acordo com dados da ONU e o programa europeu Copernicus.

Um "assassino invisível e silencioso”

Nas regiões das Américas e da Europa/Ásia Central verificou-se o maior aumento de acidentes de trabalho devido ao stress térmico desde 2000, com aumentos de 33,3% e 16,4%, respetivamente.

"Isto pode dever-se a temperaturas mais elevadas nas regiões onde os trabalhadores não estão habituados ao calor", alertou a OIT, ao considerar o stress térmico um "assassino invisível e silencioso que pode rapidamente causar doenças, insolação ou mesmo a morte".

Em abril, a OIT avisou que as alterações climáticas criaram um cocktail de graves riscos para a saúde de cerca de 2,4 mil milhões de trabalhadores expostos ao calor excessivo em todo o mundo, causando 22,85 milhões de acidentes de trabalho e a perda de 18.970 vidas todos os anos.

Poupança global de 332 mil milhões de euros

A maior exposição dos trabalhadores a condições adversas acarreta obviamente custos para a economia, que acabam por ser maiores nos países com menores rendimentos.

De acordo com a OIT, medidas para prevenir acidentes no trabalho relacionados com o calor excessivo "poderiam poupar mais de 361 mil milhões de dólares (332 mil milhões de euros) a nível mundial".

"Precisamos de planos de ação contra o calor durante todo o ano e de legislação para proteger os trabalhadores", defendeu Manal Azzi, líder da equipa da OIT para a segurança e saúde no trabalho.

Tempestades e incêndios: regiões de alto risco

Voltamos ao estudo que avaliou o impacto das alterações climáticas na saúde humana, porque também analisou os efeitos negativos na saúde de tempestades tropicais, incêndios florestais e o aumento do nível do mar, indicando que perto de 70% das mortes acontecerão em regiões de alto risco, sobretudo no Sudeste Asiático.

Devido à falta de recursos e de equipamento médico essencial, bem como às infraestruturas inadequadas, o continente africano está numa posição de maior vulnerabilidade face aos impactos das mudanças climáticas na saúde do que outras regiões.

Recado aos governos

O alerta não é só para o impacto das alterações climáticas na saúde das populações mas também para as perdas económicas no mundo inteiro. É, por isso, importante criar estratégias para evitar perdas económicas de muitos milhões de euros até 2050.

De acordo com os autores do estudo, o papel do setor privado é crucial e deve ser incentivado pelos governos.

A nível de incentivos económicos diretos são referidas medidas como os "créditos fiscais, subsídios ou bolsas de investigação de apoio a iniciativas que visam mitigar os impactos das alterações climáticas", propondo-se igualmente a criação de regulamentação "que estimule a inovação".

"O setor público tem um outro papel, essencial na resiliência dos sistemas de saúde aos efeitos provocados pelas mudanças climáticas e meteorológicas, como a capacitação das infraestruturas".

Com Lusa

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