Afeganistão

Afeganistão: um país em colapso perante o olhar do mundo

À medida que a economia afegã entra cada vez mais em queda, a comunidade internacional procura novas formas de evitar o severo desastre humano que parece ser o destino da população.

Paula Bronstein

Simão Ribeiro Póvoa

A economia afegã continua a afundar, o que origina uma cada vez maior catástrofe humana, sem precedentes, ao mesmo tempo que a comunidade internacional começa a procurar novos mecanismos para combater a situação.

Uma miragem chamada saúde

Hospitais perto de Cabul em que os partos são realizados perante a luz de lanternas de telemóveis dos profissionais de saúde: esta é a realidade em muitos locais, como no hospital de Chahar Asyab, a 11 quilómetros do sul da capital.

Alguns dos médicos desta unidade hospitalar vivem num contraste: a sorte de ainda possuírem um emprego convive com a dificuldade de receber, como é o caso de muitos, um salário de meros 133 euros mensais.

Para agravar o problema, à medida que os mantimentos estão a acabar e os médicos e enfermeiros procuram fugir, grandes hospitais, em cidades como a capital Cabul, registam picos de pacientes à medida que os sistemas de saúde e outros entram em colapso em todo o país, com os afegãos a viajar longas distâncias, em busca de tratamento.

As Nações Unidas numa nação desunida

Parte da ajuda surge das Nações Unidas, com ajuda monetária que levou à mais que necessária aquisição de materiais hospitalares, e também ao pagamento dos baixos salários.

O auxílio financeiro para a assistência médica liderado pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD), que supervisiona e apoia uma rede de 25 mil profissionais de saúde em 2.200 clínicas e pequenos hospitais por todo o país, conseguiu provar que vários apoios financeiros poderão ser transferidos para o Afeganistão.

O PNUD usou um dos poucos bancos comerciais ainda abertos para enviar pagamentos diretos a profissionais de saúde através do telemóvel, ou, para quem não o possuísse, pessoalmente.

O impacto dos Talibã

O problema dos financiamentos externos prende-se com o receio de que o dinheiro caia nas mãos dos Talibã.

Antes da subida ao poder do grupo fundamentalista islâmico, em agosto deste ano, as doações do estrangeiro, predominantemente pelos países mais desenvolvidos do Ocidente, de onde se destacam os Estados Unidos, compunham 80% de todas as despesas do Governo afegão.

Contudo, o regresso dos Talibã fez congelar todo este financiamento, como forma de pressionar os novos líderes a reconhecer mais direitos às mulheres e a outras minorias.

Veja-se o recente caso do pedido dos Talibã para que as televisões não passem imagens de mulheres ou a própria remodelação do Governo, com uma presença feminina inexistente.

A interferência norte-americana

A saída dos militares norte-americanos do território, depois de uma missão de 20 anos, mergulhou ainda mais o Afeganistão numa grave crise humana - 20 anos em que não estiveram sozinhos e em que também contaram com as Forças Armadas portuguesas, no âmbito da ONU e da NATO.

A administração Biden, juntamente com os Governos aliados, debatem agora se o programa experimental da ONU de ajuda ao Estado afegão, que se refletiu, por exemplo, nas ajudas aos serviços de saúde, como as acima expostas, poderá ser expandido ou replicado noutros setores da economia.

O vice-embaixador dos Estados Unidos na ONU, Jeffrey De Laurentis, já referiu, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, na semana passada, que "se aceitam soluções criativas da comunidade internacional para ajudar a mitigar estes problemas [no Afeganistão] de uma forma que limite os benefícios indevidos retirados pelos Talibã".

As contas congeladas de um país em fogo

Em cima da mesa, na ótica da ONU, parece surgir o descongelamento dos cerca de nove mil milhões de euros das reservas do Governo afegão, retidas, principalmente, nos Estados Unidos.

Mais de 1,3 mil milhões de euros encontram-se igualmente retidos no Fundo Fiduciário de Reconstrução do Afeganistão, administrado pelo Banco Mundial.

Este fundo, antes do regresso dos Talibã, chegou a financiar empresas ou agricultores e até a melhoria das estradas no país.

Agora, as Nações Unidas pretendem o descongelamento destas contas bancárias e o respetivo envio dos valores monetários para um fundo comandado por esta organização internacional.

O objetivo é manter a ajuda humanitária no Afeganistão ao nível da alimentação, de medicamentos e outros materiais de saúde e dos salários.

O Banco Mundial reunir-se-á, na próxima semana, para votar a libertação de alguns fundos para o país, ao mesmo tempo que pretendem que se garanta as exigências apresentadas ao Governo local, de onde se destaca o efetivo direito de acesso à educação por parte de milhões de afegãs, muitas delas ainda crianças.

As organizações humanitárias internacionais insistem cada vez mais que o tempo está a acabar para ajudar a população afegã, com milhões de vidas em risco.

Uma situação ainda pior do que parece

A ONU, o Comité Internacional da Cruz Vermelha e outras organizações internacionais apontam que mais de metade da população do Afeganistão, ou seja, mais de 20 milhões de pessoas, se encontram em risco de insuficiência alimentar aguda.

O secretário-geral do Conselho Norueguês de Refugiados, Jan Egeland, alerta, contudo, que, "mesmo que o grupo fundamentalista cumpra com as exigências internacionais, muitos morrerão neste inverno, a menos que haja uma verdadeira mudança na política dos países ocidentais sobre questões fundamentais que afetam a economia afegã".

Em Cabul, um pouco por toda a parte, as evidências de uma economia em declínio acelerado são facilmente visíveis.

A representante da ONU para o Afeganistão, Deborah Lyons, refere que, se antes a comunidade internacional se concentrou naqueles que queriam fugir do Afeganistão, "a atenção deverá ser colocada agora nos muitos mais afegãos que permanecem no país e enfrentam, a curto prazo, um futuro terrível".

O PIB afegão já contraiu 40% em relação ao período anterior à chegada dos Talibã ao poder, ao mesmo tempo que a inflação faz disparar os preços de alimentos e combustíveis.

As sanções internacionais paralisam o sistema bancário afegão e não permitem que se leve a cabo várias obras públicas, algumas delas financiadas, primariamente, pela própria comunidade internacional.

Este retrato demonstra que, embora o auxílio humanitário seja uma parte da solução para os problemas do Afeganistão, a resolução desta grave crise poderá passar, também, pela criação de uma economia funcional e prestadora de serviços públicos neste país.

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