O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, admitiu esta terça-feira que os resultados da Comissão Independente para o Estado dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica foram surpreendentes – pelo número, pela gravidade dos abusos e porque continuam até aos dias de hoje.
Marcelo Rebelo de Sousa considerou que o número "ultrapassou aquilo que tinha pensado de início e provavelmente ultrapassou aquilo que os portugueses todos pensavam quando se arrancou com a comissão".
"Este número é bem superior ao número anterior [mais de 400 casos] e, para o tempo em que trabalhou a comissão, como alguns dos membros reconheceram, significa que pode ainda ser uma parte do fenómeno e não todo o fenómeno, que continua presente na sociedade portuguesa", afirmou.
A comissão recebeu 512 testemunhos validados relativos a 4.815 vítimas desde que iniciou funções em janeiro de 2022. Para o Ministério Público, foram enviados 25 casos.
Marcelo Rebelo de Sousa não excluiu um cenário de indemnização às vítimas, mas deixa essa decisão nas mãos da Igreja.
O Presidente da República defendeu que a Igreja Católica tem o "dever ético" de se responsabilizar pelos casos de abusos sexuais.
"Que a Igreja tem um dever ético de responder, isto é, de se responsabilizar e que ontem foi assumido, é assim. Que esse dever ético abrange o apoio psicológico, continua a ser muito importante para muitas as vítimas anos e anos e anos depois, não há dúvidas. Que em vários países houve indemnização, também se sabe, portanto vamos esperar pela posição da Igreja", afirmou Marcelo Rebelo de Sousa.
O chefe de Estado defendeu também que "a Igreja como instituição tem de repensar a sua atuação no futuro, porque em muitos casos não teve a noção, noutros casos teve a noção mas subavaliou, achou que era um fenómeno isolado ou que era um fenómeno que não tinha a gravidade que tinha, noutros fenómenos ainda demorou muito tempo a reagir, noutros fenómenos ainda está a querer compreender aquilo que se passou".
“Nos países em que a resposta foi mais clara, mais determinada e mais rápida o efeito foi um, naqueles em que não foi assim o efeito foi outro, e era preferível que fosse o primeiro o caminho em Portugal.”
Marcelo apontou que essa é "uma reflexão que a Igreja terá de fazer".
"Tem marcada uma Conferência Episcopal para o começo de março, eu acho que quanto mais rápido for e mais claro for, melhor", salientou.
Os casos de abusos sexuais revelados ao longo de 2022 abalaram a Igreja e a própria sociedade portuguesa, à imagem do que tinha ocorrido com iniciativas similares em outros países, com alegados casos de encobrimento pela hierarquia religiosa a motivarem pedidos de desculpa, num ano em que a Igreja se vê agora envolvida também em controvérsia, com a organização da Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa.
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“O padre fazia-me perguntas porcas no confessionário”: os relatos chocantes das vítimas
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica decidiu partilhar alguns relatos das vítimas. São histórias de mulheres e homens que dizem ter sido abusados por padres e outros membros da igreja.
Avisamos que são depoimentos chocantes, com detalhes perturbadores.