Vogais e consoantes são números e os algarismos são letras.
A Humanidade deve isso a alguns, aos nomes com letras raras e com números ainda mais raros.
Como se escreve Jorge Nuno Pinto da Costa?
Escreve-se assim, debaixo das regras da normalidade ou escreve-se com Viena?
Escreve-se com 1937 ou escreve-se com 1987? O que preferiria o genial pintor do azul sem fim?
Talvez escolhesse Viena.
Em vez do ano do seu próprio nascimento talvez optasse pela data em que o FC Porto lhe retribuiu a glória maior, fazendo disparar as fotografias para a eternidade.
É lá que estará Jorge Nuno Pinto da Costa, a defender o céu que pacientemente começou a desenhar quando fez seu o lápis da História. Habituou-se a rubricá-la como presidente e a partir daí foi um desfile de vitórias, recordes, momentos épicos e julgamentos que deram à lenda o mesmo tamanho da polémica.
Aliás, hoje, haverá quem só tenha óculos para as páginas negras de uma obra única. E se não fosse assim, Pinto da Costa acharia que, bem lá no fundo, nada teria valido a pena.
Quando fez regressar Pedroto, quando criou Futre, quando fez nascer Mourinho, quando regenerou Deco, quando resgatou Conceição, tudo isso foi demasiado para os que nunca acreditaram que o clube que já perdia por 3-0 antes de atravessar a ponte da Arrábida seria capaz de ciclicamente se agigantar e de demolir sem pudores todo e qualquer adversário.
Os 69 títulos festejados pela equipa principal de futebol durante os 42 anos de presidência (média superior a um por temporada) representam um pecúlio superior a Benfica (40) e Sporting (24) juntos, o que ajuda a explicar o silêncio institucional da elite lisboeta nas horas seguintes ao anúncio da morte do dirigente mais laureado de sempre
Rui Costa e Frederico Varandas ficaram petrificados e incapazes de desencantar uma solene e simples reação, confirmando o atraso que águias e leões desde abril de 1982 nunca conseguiram disfarçar na corrida a três pela hegemonia nacional.
No dia em que Pedro Proença toma posse como presidente da Federação Portuguesa de Futebol depois de uma campanha consagrada à promessa de “unir o futebol”, a manifesta dificuldade da Segunda Circular em fazer uma referência ao desaparecimento do homem Dragão prova que o sonho do sucessor de Fernando Gomes pode estar condenado à nascença e que o canibalismo competitivo é o verdadeiro inimigo da anunciada centralização.
O que parece ser uma aversão a tantos triunfos, como se o quadro de vencedores em Portugal contemplasse somente heróis de indesmontável credibilidade, torna o legado de Jorge Nuno Pinto da Costa insuperável. Vai além de uma Taça dos Campeões Europeus, de uma Liga dos Campeões, de uma Taça UEFA, de uma Liga Europa, de duas Taças Intercontinentais ou de uma Supertaça Europeia. Isto para já não falar de um hat trick de campeonatos, de um penta, de dois tetras, de 16 Taças de Portugal, de 22 Supertaças e de uma Taça da Liga… fora as centenas de êxitos nas modalidades outrora catalogadas como amadoras.
O museu particular do presidente dos presidentes está avaliado em 2591 troféus, o que face ao observado desde o fim de semana representa outras tantas razões para manter viva uma espécie de ódio que consome os rivais da capital.
Claro que nem todos sucumbem à fingida indiferença e não serão assim tão raros aqueles que aceitam que os números que orgulham Portugal se escrevem também com Gelsenkirchen, Sevilha, Amesterdão ou Tóquio.
Mas nenhum deles tem a sonoridade de Viena ou 87 como uma nota na pauta. A idade com que Jorge Nuno escolheu a última letra, deixando sem palavras os que perderam uma grande oportunidade para demonstrar que um verdadeiro estadista não é um vogal nem lidera consoante a cor da inveja.