Seja qual for o lugar em que o FC Porto termine o campeonato, ninguém poderá negar-lhe o título de campeão do mercado de inverno.
Um clube que consegue vender Galeno por 50 milhões de euros e Nico pelo preço (60) de Erling Haaland, a meio de uma temporada em que acaba de trocar de treinador e fecha o pódio da Liga, merece as faixas de melhor negociador português.
Claro que tudo isto poderá parecer pouco para os adeptos se os dragões falharem em maio o acesso à próxima edição da Liga dos Campeões, mas é claro como a água que a administração liderada por André Villas-Boas faz o possível e o impossível para oferecer a Martín Anselmi as condições exigidas para perspetivar 2025-26 no mesmo plano dos concorrentes diretos.
Para já, ainda é cedo para se perceber até que ponto os promissores William Gomes e Tomás Pérez serão capazes de assumir uma posição de destaque no onze, sendo inegável que ambos possuem características que fazem supor uma rápida adaptação à realidade nacional.
Neste sentido, por incrível que pareça, o homem que sucedeu a Vítor Bruno encontra-se numa posição privilegiada. Anselmi não tem culpa nenhuma das decisões tomadas no passado pelo presidente e a partir do momento em que foi resgatado ao Cruz Azul joga a favor dos ponteiros do relógio.
Um pouco à semelhança de Rui Borges, o argentino apressou-se a refutar o estatuto de milagreiro e, desconhecendo-se o pecúlio que exibirá no final da época, pode sempre alegar que chegou a meio da viagem e com menos de um mês de casa viu sair da equipa dois elementos fundamentais.
E é precisamente neste contexto que o técnico do FC Porto usufrui de uma pequena vantagem sobre o treinador do Sporting e de uma larguíssima vantagem sobre Bruno Lage. A última escolha de Frederico Varandas parte hoje para a etapa decisiva com mais seis pontos (o que significa que tem mais a perder) e poucas mexidas no balneário, enquanto o substituto de Roger Schmidt encara o que resta do calendário com os mesmos seis pontos de atraso face ao rival de sempre na Segunda Circular e com armadilhas frescas no horizonte.
Não foi por mero acaso mas sim por ter plena consciência dessa ingrata tarefa que Lage voltou a desfazer-se em elogios a Manu Silva depois da segura exibição do jovem na Reboleira, estabelecendo uma invulgar relação entre o preço do jogador e o rendimento evidenciado.
Ao considerar que o ex-Vitória vale cada cêntimo acenado em Guimarães, o setubalense como que quis dizer ao universo benfiquista que uma coisa é pagar 12 milhões por Manu e outra é gastar seis milhões e meio em Bruma e sobrar zero para contratar um ponta de lança que não suscite nenhuma espécie de desconfiança.
Sem estar em causa a enorme qualidade de Bruma (por vezes injustamente deixado à porta das convocatórias de Roberto Martínez), não deixa de ser estranho que um Benfica com Di María, Schjelderup, Akturkoglu e Amdouni, sem esquecer a esquecida dupla de argentinos formada Rollheiser e Prestianni, aposte uma verba saliente num extremo com larga quilometragem, atrasando ainda a promoção do talentoso João Rego.
Como em grande dieta
Rui Costa pode alegar que o negócio feito com António Salvador em nada colidiu com a aquisição de outro nome consagrado como Andrea Belotti e sendo isso verdade também são irrefutáveis os últimos números do campeão europeu de 2021. Nas últimas três temporadas, o bombardeiro que tanto se destacou no Torino (113 golos e 27 assistências em sete épocas) contentou-se com um total de 16 golos e seis assistências e, à semelhança de um tal Arthur Cabral, nem sequer o empréstimo à Fiorentina lhe permitiu recuperar o protagonismo perdido em dois anos na capital e ao serviço da Roma.
Belotti chega à Luz depois de seis meses a arrastar-se no modesto Como, onde estava longe de ser um titular indiscutível apesar de Cesc Fábregas orientar o 15.º classificado da Série A, a somente dois pontos dos lugares de despromoção. No curto espaço de duas janelas de transferências, as águias passam de um cenário em que sonhavam com a recriação de um mini-Feyenoord em Lisboa (Aursnes, Kokçu e Santiago Giménez) para outro em que vêm Sérgio Conceição contratar Giménez por 35 milhões, exibindo uma crença total na reabilitação do desacreditado Belotti.
O futebol proporciona desfechos e conclusões imprevisíveis e ninguém poderá descartar um regresso estonteante do internacional italiano aos golos e à fama mundial. Quando se fizerem todas as contas, ver-se-á até que ponto a estratégia das águias no mercado foi recompensada com resultados expressivos e até que ponto Bruno Lage foi beneficiado por operações que não deixam margem para atores secundários.
Quem compra Bruma e confia que outro trintão como Belotti será capaz de “rejuvenescer” em Lisboa não está a pedir ao técnico para fazer o melhor possível e antecipar etapas de crescimento, como acontece com os Gomes, os Pérez ou os Biel desta vida a três que os grandes fantasiam em Portugal.
Bruma e Belotti, os Bês que o Benfica oficializou ontem, personificam a mensagem posta no cacifo do míster. A Direção, na prática, está a dizer-lhe que não haverá nem tempo nem paciência para desculpas e está a lacrar a exigência de chegar ao fim em primeiro lugar, passando por cima das circunstâncias e das estatísticas que recomendavam critérios diferentes no que toca ao apetrecho do plantel.
Caso reserve o Marquês para a festa de maio, Rui Costa até pode garantir a reeleição de outubro. Se acabar como está ou parecido com isso, o presidente arrisca-se (Taça de Portugal e Liga dos Campeões são grandes incógnitas) a despedir-se do cargo com o outro título de campeão de inverno.
Aquele que foi conquistado em Leiria, no princípio do mercado.