Desporto

O cheque em branco de Ruben Amorim

Opinião de João Rosado. A despedida de Alvalade deixa o presidente do Sporting mais confortável que nunca.
Carlos Rodrigues

João Rosado

Se não há duas sem três, Pep Guardiola vai perder hoje o seu primeiro dérbi com Rúben Amorim. Em Alvalade, na despedida mais aguardada do ano, o Manchester City apresentar-se-á depois de duas derrotas seguidas e com algumas baixas importantes na defesa, com destaque para a ausência de outro Rúben, o ex-benfiquista Dias.

Além do internacional português, também John Stones desfalcará os tetracampeões ingleses, derrubados há quatro dias no Vitality Stadium de Bournemouth à conta de um golo do ex-portista Evanilson quando ainda estavam a digerir o desaire de Londres imposto pelo Tottenham e a contar para a Carabao Cup.

O atual momento de forma dos “citizen” replica com grande exatidão aquilo que aconteceu há cerca de um ano, em setembro de 2023. No final desse mês, um golo de Alexander Isak (o parceiro de eleição de Viktor Gyokeres na seleção sueca) deu ao Newcastle um saboroso triunfo na terceira ronda da Taça da Liga, com o Wolverhampton, 72 horas depois, a usar parte da receita para vencer por 2-1 no desafio do campeonato.

A perda dos 3 pontos diante dos “wolves” a 30 de setembro de 2023 e o desfecho negativo registado no último sábado não chegam para Guardiola atingir a marca das... 40 derrotas na Premier League em oito anos de consulado, o que diz tudo sobre a carreira trituradora do catalão e ao mesmo tempo deixa pistas muito interessantes ao futuro “boss” do Manchester United.

Apesar de ter avisado os adeptos sobre o “mundo completamente diferente” que os espera logo à noite, o treinador que enche a agenda desportiva sabe como são raros, para não dizer raríssimos, os períodos de turbulência no City, cabendo-lhe explorar a preceito a anormalidade que caracteriza o adversário supercotado da Champions League.

Por outro lado, os jogadores de maior influência na equipa não desconhecem a oportunidade igualmente rara de se mostrarem ao nível dos Matheus Nunes que desta vez estão na condição de visitantes. Além de um duelo como nunca se viu entre duas figuras que podem marcar uma era de intensa rivalidade em Manchester, o encontro que vai servir de ensaio geral ao 15 de dezembro (City-United no Ethiad) permitirá avaliar quem dos titulares leoninos beneficia de efetivas condições para pensar numa mudança para a nova casa de Amorim ou... para a nova mansão de Hugo Viana, o anunciado substituto de Txiki Begiristáin.

De acordo com os dados disponibilizados pelo “Transfermarkt”, nas últimas décadas o Manchester United colocou nos cofres de Alvalade qualquer coisa como 130 milhões de euros, com Cristiano Ronaldo a inaugurar a lista de transferências em 2003 à custa de 19 milhões de euros. Face ao êxito alcançado com o maior goleador do planeta (seis anos depois mudou-se para o Real Madrid por 94 milhões de euros), os “red devils” adquiriram em modo progressivo Nani (por 25 milhões de euros em 2007/08), Marcos Rojo (pagamento de 20 milhões em 2014/15) e por fim Bruno Fernandes, contratado em 2019/20 a troco de uma verba (65 milhões) que permanece como recorde verde e branco.

Dez mais dez fora Ten Hag

Como se verifica, o mais barato dos que saíram diretamente para Old Trafford representou um investimento que dobrou a cláusula de rescisão de Rúben Amorim, embora o historial de transferências do sucessor de Erik Ten Hag o coloque no plano financeiro atingido por Rojo há 10 anos. Quando Frederico Varandas e Hugo Viana se decidiram pela contratação de uma promessa que ainda não tinha atingido a dezena de embates no primeiro escalão nacional, o Sporting de Braga lucrou numa primeira fase 10 milhões de euros... para surpresa geral e do próprio protagonista de uma ascensão tão meteórica como brilhante.

Em números redondos, o técnico sai pelo preço com que entrou mas com a extraordinária diferença de ter proporcionado títulos inesquecíveis a um clube que nas últimas 50 temporadas conquistou seis campeonatos, sendo que um terço deles foi alcançado nas seis épocas sob a orientação da mesma pessoa que assumiu ter recebido há oito dias o único convite que mexeu com a estabilidade tão atípica dos tempos que correm.

A maneira como revolucionou a lógica competitiva em Portugal, quebrando a bipolaridade entre Benfica e FC Porto, fê-lo retribuir com juros altíssimos a aposta destemida do presidente, ao ponto de este nunca ter experimentado uma fase de tanto conforto como agora. Nem quando foi reeleito com 86 por cento dos votos Frederico Varandas beneficiou de um contexto tão favorável e tão capaz de aguentar qualquer resultado dentro das quatro linhas.

Pela primeira vez desde que assumiu funções, o líder sportinguista está a salvo dos pontapés que levam a bola para longe da baliza adversária. Não só colocou sobre a mesa uma proposta de renovação (antes de ser divulgado o interesse dos ingleses) como conseguiu depois arranjar mais um milhão de euros e prolongar a estadia do míster até à importante deslocação a Braga, comprando entretanto tempo para preparar a apresentação do senhor que se segue.

Nenhum sportinguista, por muito que lhe custe a saída do homem do leme a meio da viagem, será capaz de apontar o dedo à administração no caso de falhar a revalidação do título. Atado por uma cláusula de rescisão que qualquer profissional exigiria, o responsável máximo do primeiro classificado da Liga portuguesa viu cair do céu o resgaste do United, operação que na prática se traduziu na oferta de um guarda-chuva do tamanho do Mundo.

Em caso de insucesso, Rúben Amorim ficará com o ónus e as culpas serão endereçadas para Manchester. No caso de nova festa gigante em maio de 2025, o Marquês será pequeno para prestar tributo à magia do presidente que passou por cima das perdas do diretor desportivo e do treinador.

E se não há dois sem três, ver-se-á no mercado de Inverno quem estará na disposição de bater os 100 milhões da cláusula do insaciável Gyokeres.

Uma ninharia, em comparação com o cheque em branco que Amorim passou a Varandas.

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