Desporto

Pinto da Costa quer ficar sozinho

Opinião de João Rosado. As críticas a Sérgio Conceição revelam um desejo e um imperdoável esquecimento.
Mark Leech/Offside

João Rosado

Antes de ser, já era. Um pouco como a Bola d’Ouro nos tempos de Messi e de Ronaldo, um pouco como as equipas esmagadoras que entram em campo a ganhar por meio a zero e troçam do adversário ainda mal saíram do balneário.

Jorge Nuno Pinto da Costa sabe tudo sobre isso, à exceção da Bola d’Ouro, pela simples razão de que não foi inventado um troféu para o campeonato dos presidentes.

Se existisse esse troféu, seria como o “Azul até ao fim”, a obra apresentada no domingo na Alfândega do Porto e que é um êxito de vendas.

De acordo com o autor, um dia antes de chegar às livrarias, o sucesso das encomendas obrigou a uma segunda edição e promete quebrar os recordes que ainda faltam romper no riquíssimo historial do dirigente que alterou as fronteiras do futebol português.

Na qualidade de presidente mais titulado do planeta e sobretudo na qualidade de homem que se deixa fotografar com a morte, o número de livros vendidos acaba por constituir apenas uma insignificante medalha e uma natural consequência do último desafio a que se propôs o líder honorário do FC Porto quando resolveu riscar alguns nomes da lista de amigos.

Para surpresa das surpresas, Sérgio Conceição aparece neste rol, relegando o próprio André Villas-Boas para um papel secundário e quase sem expressão em comparação com as referências à postura do treinador que conquistou 11 títulos durante as sete temporadas em que teve Vítor Bruno como braço-direito.

Após condenar a “pressão” que o técnico recrutado ao Nantes terá feito para consumar as contratações “ruinosas” de Shoya

(adquirido ao Al-Duhail por 12 milhões de euros em julho de 2019) e Zé Luís (recrutado na mesma altura ao Spartak de Moscovo por 11 milhões), Pinto da Costa (PC), noutras páginas marcadas a tinta da ira, atribuiu a Conceição as culpas pela saída do filho a preço de saldo para o Ajax.

Transferido há dois anos para Amesterdão por cinco milhões de euros e em julho último recomprado pelos dragões pelo dobro (10 milhões), Chico Conceição acabou por ser emprestado no início desta temporada à Juventus por 7 milhões de euros, num acordo que não contempla opção de compra.

Com uma cláusula de rescisão de 45 milhões de euros que num determinado período do ano (entre 15 de junho e 15 de julho) desce para 30 milhões, o “Espalha-brasas” da seleção nacional terá direito a 20 por cento de uma transação definitiva, o que terá sido acautelado em jeito de compensação pela brutal (quase dois terços de corte) redução no ordenado proposto pelo FCP quando o resgatou dos Países Baixos.

A cedência à Juventus aconteceu no consulado de Villas-Boas mas quando saiu pela primeira vez foi Pinto da Costa quem validou o empréstimo. Ao sentenciar que “a saída do Francisco foi um mau negócio para o FC Porto”, face à idade (“tinha 19 anos”) “e porque a cláusula de rescisão era, por imposição do seu pai, relativamente baixa”, Jorge Nuno consegue ignorar que acima do técnico existia alguém a quem tudo e todos tinham de responder.

25 DE ABRIL... NEM SEMPRE

Admitir no “Azul até ao fim” que a ida de Chico para o Ajax “foi um caso” que o “desgostou” e “desgastou” é admitir, dando crédito a essas acusações, que toda a cadeia hierárquica estava subvertida, por muito notória que fosse a perceção de que no departamento de futebol somente duas figuras rubricavam as decisões.

Perante o testemunho de PC e confirmando-se a autenticidade das críticas, não é possível concluir outra coisa senão um reconhecimento de perda de autoridade e inacreditável submissão à vontade de alguém que do ponto de vista formal seria sempre enquadrável como um funcionário do clube.

Ao fazer aquilo que terá considerado uma espécie de ajuste de contas aos olhos do grande público, o presidente dos presidentes (citando desta vez o seu sucessor) consegue prestar um enorme favor àqueles que há muito o acusavam de ter perdido faculdades e de manifesta incapacidade para dominar a arte da gestão palaciana.

A circunstância de Sérgio ter renovado contrato a dois dias do ato eleitoral que entrou para a história a 27 de abril sublinha o efeito ricochete das palavras de Pinto da Costa, com a particularidade de o prolongamento do vínculo ter sido firmado “com um aperto de mão”, conforme fez questão de anunciar o candidato derrotado por Villas-Boas.

Aquilo que parecia mais uma prova de uma amizade e de uma relação profissional à prova de bala, pelos vistos, atendendo às últimas revelações, não passou de um golpe desesperado na tentativa de salvar uma (re)eleição impossível na ótica dos 80 por cento dos associados. Aparentemente, até a disponibilidade manifestada por Conceição para se prestar a uma cerimónia daquela natureza e naquela data foi desprezada e votada ao esquecimento por parte do mesmo responsável que no Natal de 2021 ofereceu ao treinador uma estátua no museu do Dragão.

Na linha do que foi percetível em todas as oportunidades que teve para fechar com chave de ouro o legado construído desde 1982, Jorge Nuno continua sem saber colocar um ponto final em determinados capítulos. No fundo, vai-se isolando a pouco e pouco e prefere caminhar sozinho, como se assim fosse possível recuperar o tempo em que calçava as luvas e se metia entre os postes para desafiar o Mundo a rematar contra si.

Talvez por isso, do jovem guarda-redes cresceu um presidente que escreveu história de baliza a baliza. Num azul sem fim.

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