Um dia antes do primeiro grande clássico da Liga portuguesa, Roberto Martínez arrisca-se a apimentar ainda mais a repetição do confronto da Supertaça que assinalou no início do mês o arranque oficial da temporada.
Na próxima sexta-feira, o selecionador revelará os convocados para os dois jogos que Portugal vai disputar no Estádio da Luz a contar para o Grupo 1 do escalão principal da Liga das Nações e as escolhas do míster irão certamente condicionar a receção que vai ter em Alvalade 24 horas depois.
Se a presença de Gonçalo Inácio entre os eleitos não suscita dúvidas, permanece a incógnita no que toca a (pelo menos) mais dois leões que têm reforçado no início de 2024-25 os sinais que já tinham justificado uma chamada para o Europeu conquistado pela Espanha.
Com três golos e duas assistências no campeonato, Pedro Gonçalves assume-se como um dos maiores destaques das três primeiras jornadas, enquanto Francisco Trincão responde com dois golos (ambos ao Nacional) e com exibições que têm permitido a Rúben Amorim apresentar um onze com ampla desenvoltura e sem acusar ausências de vulto.
Mesmo privado de Morten Hjulmand nos últimos compromissos e com um Nuno Santos apenas com meia hora de rodagem frente ao Farense, o Sporting tem beneficiado da extraordinária cumplicidade do trio de ataque para compensar a passagem de Geny Catamo para o corredor esquerdo e a perda de músculo no meio-campo face à inclusão de Daniel Bragança.
Como é óbvio, ajuda muito ter um Viktor Gyokeres na plenitude dos recursos e capaz de evidenciar uma média de dois golos por desafio, mas o imparável sueco não teria este rendimento sem a capacidade de produção da dupla lusitana apostada em demonstrar que a ausência no Euro foi somente um pretexto para umas férias mais prolongadas.
Até nesse capítulo, que diz respeito à robustez emocional, Roberto Martínez pode estar descansado com os portugueses que suportam a demolidora ofensiva dos campeões nacionais. Talvez porque esperassem o esquecimento a que foram votados quando foram anunciados os 26 “Apaixonados”, Pote e o ex-Barcelona têm dado provas de terem ultrapassado sem nenhuma espécie de traumas o estatuto de suplentes dos suplentes.
Um balneário onde se equipam extremos com o traquejo e o peso internacional de Rafael Leão, Bernardo Silva, João Félix e Diogo Jota exigirá sempre muito à concorrência e é por causa disso que o momento de forma dos jogadores deve constituir condição inabalável de recrutamento.
Qualquer treinador gosta de manusear um leque “interminável” de matéria-prima, passível de suscitar pontos de interrogação, levantar questões e finalmente conduzir a decisões que prestem tributo ao que é evidenciado dentro de campo.
É isso, no fundo, que garante o rejuvenescimento, a simples renovação e a evolução das equipas, sobretudo daquelas que têm o privilégio de competir ao mais alto nível. Em caso contrário, a inevitável acomodação de quem se sente eternamente seguro e confortável no posto conduz a uma estagnação e a uma formatação de conceitos que só facilita a tarefa dos adversários.
Tudo aquilo que relegue para segundo plano o que é exteriorizável pelos números e que salta aos olhos da crítica e dos adeptos representa uma condenação do trabalho do gabinete técnico, de certeza incansável na auscultação e visionamento das dezenas de internacionais aptos a vestir a camisola do País.
Uma dose de chili e…Pepe
Porque não tem à disposição mais do que um Cristiano Ronaldo (este não precisa de ser espicaçado), o selecionador, depois de ter falhado Berlim, deve dizer ao Mundo que aprendeu com os erros cometidos e logo de seguida abrir as portas aos que têm justificado semana após semana um voto de reconhecimento.
Tomando como verdadeiro que a seleção não é um grupo fechado ao estilo de uma sociedade secreta reservada em exclusivo a membros de uma determinada elite, a lista de nomeados para os duelos com a Croácia e a Escócia representa uma excelente oportunidade para Roberto Martínez se demitir de critérios conservadores que transformaram algumas convocatórias em autênticos boletins de recuperação física e espiritual, assumidamente elaborados para “ajudar” certos craques.
O sucessor de Fernando Santos, reconheça-se, tem fornecido pistas encorajadoras nos últimos tempos, dando a entender que jovens como Eduardo Quaresma e Vasco Sousa despertam uma atenção especial e são merecedores de um acompanhamento condizente com o grau de tolerância que também é necessário adotar perante simples promessas.
A perda de brilhantismo de Rui Patrício, a despedida de Pepe e a lesão de Gonçalo Ramos contribuem para abrir novos horizontes e assim, nos diversos setores, há contextos que permitem dar largas ao sonho de atletas com a qualidade de Matheus Magalhães, Tomás Araújo e... Paulinho, mais um dos que não foram contemplados com bilhete para a Alemanha e que no México se tem destacado ao serviço do Toluca.
Sob a orientação de Renato Paiva, o avançado canhoto, em oito encontros, contabiliza cinco remates letais e três assistências, o que se traduz numa influente participação a cada 90 minutos. A um “mexicano” improvisado não é razoável pedir uma dose maior de chili quando faz das balizas um banquete. Quem gosta de um futebol mais picante tem de aguardar pela entrada de Roberto Martínez sábado em Alvalade. Na eventualidade de continuar a ser Inácio o único ingrediente verde e branco no menu do chef catalão, um Trincão na língua vai dar a impressão que está tudo a arder.