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Palmeiras é bicampeão e Abel Ferreira sobe ao olimpo no Brasil

Nove títulos em três anos. Dois campeonatos, duas Libertadores. Há quem já coloque o treinador português entre “os melhores da história” do futebol brasileiro. Será este o adeus de Abel ao Palmeiras?

Abel Ferreira
Eurasia Sport Images

Daniel Pascoal

Quando Abel Ferreira e Palmeiras oficializaram a “relação”, a 30 de outubro de 2020, era difícil prever que tudo daria tão certo. Passaram-se pouco mais de três anos e o novato que chegara ao Palmeiras sem qualquer título já colocou nove na sala de troféus do clube. Na madrugada desta quinta-feira, conquistou o último deles: o bicampeonato, algo que nenhum outro estrangeiro conseguiu no Brasil. Abel já é um dos, se não o maior treinador da história do “verdão”. E vai subindo degraus no olimpo do futebol brasileiro.

O título, que já estava praticamente garantido antes da última jornada, foi consumado com um empate na casa do Cruzeiro (1-1), sem precisar de olhar para os outros jogos. O golo dos campeões saiu dos pés de Endrick, o grande talento desta geração brasileira, já vendido ao Real Madrid.

O Palmeiras de Abel põe, assim, mais uma peça rara no museu. Não é fácil ser bicampeão no Brasil. E esta equipa já o tinha sido também na América do Sul. Somado aos dois campeonatos (2022 e 2023) e às duas Taça Libertadores (2020 e 2021), ganhou ainda a Taça do Brasil (2020), a Recopa Sul-americana, a Supercopa do Brasil (2023) e dois campeonatos paulistas (2022 e 2023).

Nove títulos que fazem Abel superar Vanderlei Luxemburgo, com oito, na lista dos treinadores mais vencedores do Palmeiras. À sua frente está apenas Oswaldo Brandão (10).

Mas há quem já o coloque no topo. Rodrigo Coutinho, jornalista brasileiro do Globo Esporte e do Sportv, diz que Abel é “o maior da treinador da história do clube”, mas vai além:

Ele faz o maior trabalho da história do futebol brasileiro, junto com o do Telê Santana [o emblemático treinador do São Paulo nos anos 90 e do Brasil no Mundial 1982]”.

Gosto de despedida?

O futuro é incerto. Abel diz que é “grato” ao Palmeiras, mas deixa no ar a possibilidade de sair - a imprensa fala numa proposta milionária da Arábia Saudita. Os jogadores também não conseguem confirmar a permanência do treinador.

A relação de Abel com o futebol brasileiro é de amor e ódio, ao ponto do técnico não esconder, numa expressão tão característica do português do Brasil, que está “de saco cheio” de alguns problemas, como o calendário e a pressão da imprensa. “É desgastante”, admite.

Acho que ele vai embora. Pelas respostas que deu, acho pouco provável que fique. No Brasil é muito estressante ser treinador e trabalhar no futebol”, afirma o jornalista Rodrigo Coutinho.

Se este for um adeus, a verdade é que Abel Ferreira já tem o seu lugar reservado na história. E se este foi o último capítulo, terá sido um grande (e improvável) final. Afinal, tudo apontava para o título do Botafogo, que tão bem começou este ano, com o também português Luís Castro ao leme.

Brasileirão em modo “montanha-russa”

19 de outubro. Estávamos na 27.ª jornada e o roteiro do Brasileirão parecia já estar todo desenhado. O Palmeiras perdia, em casa, contra o Atlético Mineiro, somando a quarta derrota seguida - uma das quais ditou a eliminação do “verdão” da Taça Libertadores, contra o Boca Juniors.

Nesse mesmo dia, o Botafogo batia o América e “voava” completamente isolado no topo. O “fogão”, que já não era o mesmo depois da saída de Luís Castro para a Arábia Saudita - e nesta altura Bruno Lage já tinha chegado e saído (durou 16 jogos), ainda era líder, com nove pontos de avanço para o Red Bull Bragantino, então segundo classificado. A equipa de Abel ocupava um modesto quinto lugar, a 14 pontos dos cariocas.

Mas diz-se, e bem, que o futebol é uma caixinha de surpresas. E o “guionista” do Brasileirão escreveu o que nem o mais pessimista botafoguense, ou o mais otimista palmeirense, poderia sequer imaginar. O campeonato transformou-se numa autêntica montanha-russa, em que Palmeiras e Botafogo lançaram-se em sentidos opostos.

Voltemos à 27.ª jornada. Aquela foi a última vitória do conjunto carioca na competição. Desde então, foram seis empates e cinco derrotas. Mais do que pontos perdidos, o Botafogo deixou cair - ou esfarelar-se até desaparecer - a confiança dos jogadores e dos adeptos.

Um abalo técnico e mental até chegar à última jornada sem qualquer chance de título. Um dos golpes mais dolorosos foi justamente contra… o Palmeiras, que depois daquele tropeço com o Atlético só voltou a perder uma vez, em 11 jornadas, num período em que somou oito vitórias e dois empates.

O “nascimento” de Endrick

Na ronda 31, Botafogo e Palmeiras enfrentaram-se, no Rio de Janeiro, com sete pontos de diferença na tabela. Ao fim da primeira parte, o marcador era claro sobre o que estava a acontecer: 3-0. O Estádio Nilton Santos a pegar “fogo”. Uma atuação irrepreensível dos líderes do campeonato.

Mas aí apareceu o Palmeiras, a equipa que habituou os seus adeptos que, enquanto não for mesmo impossível, tudo é tangível. E apareceu também Endrick, o grande jogador desta reta final de campeonato, a fazer o jogo do ano.

A maior joia da inesgotável fábrica de talentos brasileira, já vendida ao Real Madrid, marcou dois golaços e disse para os companheiros, no auge dos seus 17 anos, “toca [a bola] em mim”, como quem já sabe que é um predestinado.

José Lopez empatou aos 90 minutos, após novo lance criativo de Endrick. E, aos 90'+9, Murilo garantiu uma reviravolta de cinema. 4-3. O título do Palmeiras certamente começou ali.

E o Botafogo, pasmem-se, sofreu outros revés dramáticos. Um dos últimos foi contra o Coritiba, já despromovido para a segunda divisão, a 30 de novembro. Tiquinho Soares, ex-FC Porto, marcou o que poderia ser o golo da vitória aos 90'+8, mas a equipa sofreria o empate nem 60 segundos depois.

Nessas últimas semanas, não faltaram postulantes ao título, mas só um teve a competência e a constância de crescer no momento decisivo. O maior legado de Abel, mais do a qualidade de jogo ou os planos táticos, parece ser psicológico. O Palmeiras acreditou, sempre.

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