Cultura

Globos de Ouro adaptam-se à idade do “streaming”

Os prémios da Associação da Imprensa Estrangeira de Hollywood já têm nomeações — neles podemos detectar os sinais das novas formas de circulação dos filmes e das séries.

Meryl Streep em "Homicídios ao Domicílio": estrela de cinema, vedeta do "streaming"

João Lopes

Um dado curioso que emergiu das nomeações dos Globos de Ouro foi o novo recorde de Meryl Streep — batendo o seu próprio recorde, importa acrescentar. Assim, esta é a sua 33ª nomeação para um prémio da Associação da Imprensa Estrangeira de Hollywood, ou seja, no sector dos actores/actrizes, ela continua a ser a pessoa mais nomeada em toda a história dos Globos de Ouro.

Curiosamente, não foi sublinhado o facto de tal nomeação de uma das figuras centrais da história do cinema americano do último meio século dizer respeito a uma série de televisão… aliás, de uma plataforma de "streaming": "Only Murders in the Building", entre nós disponível como "Homicídios ao Domicílio" (Disney+). Em boa verdade, as profundas alterações verificadas nos últimos anos contribuem para esbater as fronteiras tradicionalmente desenhadas entre o pequeno e o grande ecrã, o consumo caseiro e as salas de cinema.

Podemos ir mais longe e dizer, por exemplo, que títulos tão marcantes como "Oppenheimer", de Christopher Nolan, ou "Assassinos da Lua das Flores", de Martin Scorsese, são olhados por muitos espectadores como produtos híbridos, dir-se-ia a meio caminho entre o aparato social das salas e o consumo caseiro do "streaming". E não adianta alimentar qualquer tipo de moralismo face a tal conjuntura: mesmo não abdicando de enaltecer a singularidade clássica dos grandes ecrãs (os dois filmes citados são produto disso mesmo), é preciso reconhecer, serenamente, que passámos a ser também espectadores híbridos, definindo os nossos mapas de consumo a partir de uma oferta multifacetada.

Resta saber se, para o melhor ou para o pior, esta nova conjuntura garante a preservação de todo um imaginário que, durante um século, pontuou de forma decisiva as formas de relação do(s) público(s) com as imagens em movimento. A saber: será que a noção clássica de "estrela" ("star power", dizem os americanos) ainda prevalece ou pode prevalecer?

Não há respostas seguras para tal dúvida. Mas importa dizer que há alguns reencontros que merecem ser registados. Destaco, em particular, o caso de Jodie Foster, presente na lista de nomeações (na categoria de melhor actriz secundária) graças a "Nyad" [trailer aqui em baixo] . Sendo ela uma imagem indissociável da história e da mitologia do cinema — a começar, claro, pela sua performance em "Taxi Driver" (1976), contava 12 anos —, não deixa de ser insólito referir que o filme que lhe garante esta nomeação (filme, aliás, bem interessante) foi, para maior parte dos espectadores de todo o mundo, incluindo Portugal, um objecto apenas disponível em "streaming".

Para já, registemos a data em que tudo isto dará lugar a um palmarés de vencedores: a 81ª edição dos Globos de Ouro terá lugar no Beverly Hilton, no dia 7 de janeiro de 2024.


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