Cultura

Beyoncé na vanguarda do cinema

Com o anúncio do lançamento de um filme sobre a digressão “Renaissance”, Beyoncé volta a mostrar como o seu trabalho musical nunca menospreza o valor das imagens e, em particular, a iconografia cinematográfica.

Uma imagem da digressão "Renaissance": quase a chegar às salas de cinema...

João Lopes

O anúncio do filme de Beyoncé sobre a sua digressão “Renaissance” — com um título que não podia ser mais esclarecedor: “Renaissance: A Film By Beyoncé” — não será aquilo a que se possa chamar uma surpresa. De facto, a par de nomes tão diversos, e também tão emblemáticos, como David Bowie, Madonna ou Lady Gaga, ela sempre se distinguiu por um entendimento realmente criativo no interior dos palcos e plataformas da cultura popular: não se trata apenas de pôr a circular imagens para “ilustrar” as canções, mas de trabalhar no interior de uma permanente dialéctica entre as componentes musicais e as possibilidades iconográficas.

Vale a pena recordar que, para lá dos diversos registos das suas performances ao vivo, Beyoncé possui uma notável videografia. Na longa lista dos seus telediscos, há exemplos fascinantes de encenação, coreografia e também subtil especulação ideológica. Por exemplo, como expressão de uma ágil visão das relações masculino/feminino, lembremos o teledisco de “If I Were a Boy”, realizado por Jake Nava, canção do alinhamento do álbum “I Am… Sasha Fierce” (2008).

Ao rentabilizar o enorme sucesso da digressão “Renaissance”, anunciando o seu filme logo no dia seguinte ao respectivo encerramento (a 1 de outubro, em Kansas City, no Arrowhead Stadium), Beyoncé soube criar um acontecimento claramente distinto das rotinas do mercado. Nesta perspectiva, pode mesmo dizer-se que ela pertence a uma vanguarda que, em tempos de tantas crises (reais ou apenas empoladas pela agitação mediática) não desiste de rentabilizar as salas de cinema como elementos fundamentais do espectáculo — do prazer do espectáculo.

Ainda recentemente tivemos um acontecimento do mesmo teor com a passagem em salas de todo o mundo do concerto final de Bowie, em 1973, encarnando a personagem de Ziggy Stardust. Em 2016, tinham sido os Rolling Stones a exibir o seu “Havana Moon”, dedicado ao épico concerto que deram em Cuba. Agora, sabemos que o filme de Beyoncé estará nas salas americanas a partir de 1 de dezembro — sobre o resto do mundo… aguardam-se novidades.

Enfim, há uma vontade de encarar (e trabalhar) o circuito das salas, não como um resto descartável do domínio das plataformas de streaming, mas sim, de certa maneira, o contrário: é nas salas que o espectáculo cinematográfico (musical ou não) acontece no seu esplendor original e, sobretudo, vital — esperemos que o título “Renaissance” seja um bom augúrio.

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