Cultura

Hollywood e a Inteligência Artificial: que futuro?

A greve dos argumentistas da indústria de Hollywood gerou, para já, um acordo com os grandes estúdios. O que está em jogo envolve tanto os factores criativos como a distribuição dos lucros gerados pelos novos canais de difusão.

Uma imagem de "A.I. - Inteligência Artificial" (2001): a evolução tecnológica pontua toda a história de Hollywood

João Lopes

Está na moda demonizar a Inteligência Artificial (I.A.). Tendo em conta que Pascal inventou a primeira máquina de calcular em 1642, convenhamos que as preocupações alarmistas chegaram ligeiramente atrasadas… Ao mesmo tempo, sabemos que a ironia não esgota o assunto. Há actividades humanas e, mais do que isso, valores civilizacionais que podem (e devem) ser discutidos, mais do que nunca, através dos efeitos causados pelo "poder das máquinas".

Muito se falou de I.A. a propósito da greve dos argumentistas em Hollywood. Aliás, embora sem qualquer relação com as motivações dessa greve, não deixa de ser curioso recordar que os temas da I.A. estão há várias décadas presentes na produção cinematográfica dos EUA — pensemos nos casos emblemáticos de "2001: Odisseia no Espaço" (Stanley Kubrick, 1968), "Jogos de Guerra" (John Badham, 1983) ou "A.I. - Inteligência Artificial" (Steven Spielberg, 2001).

Agora que surgiu um acordo do sindicato dos argumentistas (WGA) com os grandes estúdios que, tanto quanto é possível perceber, parece corresponder a uma trégua de três anos para ir enfrentando os problemas que é preciso resolver, vale a pena sublinhar o essencial. A saber: que a resistência à I.A. não é uma batalha da "natureza" contra a "tecnologia", mas sim uma defesa do trabalho humano contra a possibilidade de os filmes nascerem apenas de algoritmos programados para satisfazer as regras impostas por um marketing sem imaginação — e é um facto que, desgraçadamente, alguns filmes dos estúdios Marvel parecem já resultar de processos desse género…

Ao mesmo tempo, e para lá das muitas nuances que envolve o estatuto de argumentista no interior da indústria (cinema + televisão + streaming), importa também ter em conta as questões decorrentes das transformações da produção e, sobretudo, da difusão que têm marcado, e transfigurado, essa indústria ao longo deste século XXI.

Uma breve, mas muito concisa, entrevista de Tom Hanks à PBS pode ajudar a compreender a complexidade da conjuntura [ver vídeo] .

Simplificando, digamos que a proliferação de canais de difusão dos filmes, séries & etc. implica (ou deverá implicar) uma redistribuição dos rendimentos gerados pela sua própria diversidade. Nesta perspectiva, o que está em jogo no presente — e, obviamente, para o futuro — é um conjunto de reivindicações no sentido de superar os desequilíbrios decorrentes das novas estruturas de consumo. Conscientemente ou não, com o nosso telecomando, cada um de nós é também parte activa, nem que seja no plano simbólico, nas actuais convulsões de Hollywood.

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