Cultura

Wim Wenders ou o cinema sem fronteiras

Por mais estranho que possa parecer, o candidato do Japão a uma nomeação para o próximo Óscar de melhor filme internacional tem assinatura de um alemão, Wim Wenders… Mas tudo faz sentido.

Kôji Yakusho em "Perfect Days": um actor japonês filmado por um cineasta alemão

João Lopes

A notícia hoje divulgada poderá surpreender os mais distraídos. A saber: "Perfect Days" foi oficialmente indicado como representante do Japão na candidatura a uma nomeação para o próximo Óscar de melhor filme internacional (designação actual do prémio que, durante décadas, foi designado como "melhor filme estrangeiro") — a sua realização tem assinatura de Wim Wenders, o cineasta alemão autor de títulos de culto como "Paris, Texas" (1984) ou "As Asas do Desejo" (1987).

A situação é fácil de compreender. Trata-se, de facto, de uma produção maioritariamente japonesa, totalmente falada em japonês (questão essencial para a candidatura). "Perfect Days" centra-se na personagem de um homem (interpretado pelo excelente Kôji Yakusho) que trabalha na limpeza de instalações sanitárias públicas, em Tóquio, vivendo um quotidiano de invulgar harmonia poética, pontuado por uma relação apaixonada com a música rock — aliás, o título do filme provém de uma das canções que ele escuta: "Perfect Day", um clássico de Lou Reed (incluído no alinhamento do álbum "Transformer", de 1972).

A notícia é tanto mais interessante quanto a singularidade geográfica e cultural de "Perfect Days" está longe de ser uma excepção na trajectória de Wenders. Desde logo pela sua relação com o Japão, de que "Tokyo-Ga" (1985), uma viagem documental inspirada nos filmes de Yasujiro Ozu (1903-1963), será o exemplo mais tocante. Aliás, o citado "Paris, Texas" não é uma reencenação de todo um imaginário visceralmente "made in USA"? E que dizer da celebração da música cubana em "Buena Vista Social Club" (1999)? Tudo isto, claro, sem esquecer "O Estado das Coisas" (1982) e "Lisbon Story" (1994), capítulos portugueses da obra de Wenders.

Ele é, de facto, um criador de um cinema sem fronteiras. O que, entenda-se, não significa que o seu trabalho ceda ao simplismo, por vezes demagógico, de certas formas de globalização (no cinema e não só) que não passam de meros truques "artísticos" para um comércio pouco edificante. Os filmes de Wenders dão a ver um mundo paradoxal: uma paisagem de muitas fronteiras e, ao mesmo tempo, de inesperados e insólitos canais de comunicação.

Por tudo isso, esperemos que "Perfect Days" venha a surgir nas salas portuguesas — o que, pelo menos para já, não está confirmado. Registe-se que, no passado mês de maio, o filme teve as suas primeiras exibições públicas na secção competitiva de Cannes, tendo valido a Kôji Yakusho o prémio de melhor interpretação masculina.

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