De todos os romances que Milan Kundera (1929-2023) nos legou, “A Insustentável Leveza do Ser”, publicado em 1984, é seguramente o mais universal. Tal condição decorre, como é óbvio, da riqueza e complexidade das respectivas personagens e situações, mas também do facto de a sua adaptação cinematográfica ter tido grande impacto — com duas nomeações para os Óscares, nas categorias de argumento adaptado e fotografia.
Foi em 1988 que o americano Philip Kaufman — que já tinha dirigido, por exemplo, “Os Eleitos” (1983) sobre o programa espacial dos EUA e os primeiros astronautas da NASA — lançou a adaptação de “A Insustentável Leveza do Ser”, tendo como colaborador essencial para o argumento o veterano Jean-Claude Carrière, ligado a diversos momentos da filmografia de Luis Buñuel.
Tratava-se de encenar as convulsões afectivas e eróticas de um trio de personagens — Tomas, Tereza e Sabina, nas interpretações de Daniel Day-Lewis, Juliette Binoche e Lena Olin — que, subitamente, se vêem envolvidos (e, num certo sentido, encerrados) numa trágica conjuntura política e militar. Ou seja: a invasão da Checoslováquia pelas tropas da URSS e vários países do Pacto de Varsóvia e o fim do período de liberalização que ficou conhecido como Primavera de Praga.
Contando com um elenco realmente excepcional e um génio na direcção fotográfica — Sven Nykvist, companheiro habitual de Ingmar Bergman —, Kaufman consegue definir uma ambiência em que a lógica (ou a falta de lógica) da geo-política se cruza, ponto por ponto, com as singularidades dos gestos e desejos individuais. Nesta perspectiva, “A Insustentável Leveza do Ser” é um objecto sem equivalente no contexto em que surgiu, preservando, 35 anos depois, uma invulgar actualidade temática e simbólica.