Como sempre, as notícias do Festival de Tribeca (este ano realizado entre 7 e 18 de junho) destacam, não apenas os filmes, mas também as conversas entre os mais diversos criadores. O seu objectivo é eminentemente pedagógico: cruzar memórias e temas da actualidade de modo a consolidar uma perspectiva cinéfila capaz de abarcar todos os aspectos da experiência cinematográfica, da pura especulação estética às mais sofisticadas nuances tecnológicas.
Numa dessas conversas, em diálogo com Steven Soderbergh, David Fincher falou em particular do processo de restauro a que, actualmente, está a ser sujeito o seu filme "Seven" (ou, em rigor, "Se7en"), entre nós lançado com o subtítulo "7 Pecados Mortais" — estreado em 1995, protagonizado por Morgan Freeman, Brad Pitt e Kevin Spacey, eis um "thriller" que rapidamente se transformou em objecto de culto, além do mais reconhecido como um dos grandes filmes da derradeira década do século XX.
"Seven" foi a segunda longa-metragem de Fincher, três anos após "Alien 3 - A Desforra". Sabendo do rigor obsessivo com que ele dirige todos os aspectos dos seus filmes, Soderbergh questionou-o sobre as possíveis alterações que esse restauro (digital) irá provocar na versão original (em película de 35 mm). Com calculada ironia, Fincher foi claro ao dizer que não irá substituir as "pistolas" por "lanternas" — referia-se, assim, à manipulação de algumas imagens que Steven Spielberg achou por bem fazer nas cópias que, em 2002, assinalaram o 20º aniversário do seu "E.T., o Extra-Terrestre" (opção que, recentemente, num evento promovido pela revista "Time", Spielberg reconheceu como um erro).
Para Fincher, não se trata de "inventar" um novo filme, mas apenas de utilizar os mais modernos recursos digitais para obter uma cópia 4K que respeite, ponto por ponto (é caso para dizer: fotograma a fotograma), a verdade material e narrativa do original. Afirmando-se "contra a ideia de alterar aquilo que o filme é", quantificou mesmo o processo, dizendo que as intervenções operadas dizem respeito a qualquer coisa como "três a cinco por cento" do original.
A posição de Fincher é tanto mais importante quanto, não menosprezando o digital, também não favorece a visão simplista segundo a qual, entre digital e película, se trata de escolher uma alternativa "contra" a outra. Em boa verdade, como é possível perceber (consultando, por exemplo, o site da Kodak), são muitas as produções contemporâneas a recuperar o uso da película — de "Os Fabelmans", de Spielberg, à série "Succession". Recordemos, para já, o trailer original de "Seven", aguardando, com expectativa, mais notícias sobre a respectiva cópia restaurada.