Cultura

Sessão de Cinema: “Agente Triplo”

Datado de 2004, este é um dos filmes menos conhecidos do francês Eric Rohmer, apostado em revisitar os anos que precederam a Segunda Guerra Mundial através de um intriga de espionagem.

Serge Renko e Katerina Didaskalou em "Agente Triplo": revisitando a França de 1936-37

João Lopes

Quando se evoca a obra de Eric Rohmer (1920-2010), é inevitável destacar o seu lugar na Nova Vaga francesa e também o modo como a sua obra se debruça sobre as relações amorosas, quer dos adultos (lembremos o caso emblemático de “A Minha Noite em Casa de Maud”, 1969), quer das gerações mais novas (“A Mulher do Aviador”, 1981, pode ser um excelente exemplo).

Muitas vezes esquecemo-nos que Rohmer foi também um cineasta seduzido pela revisitação de outras épocas, preservando a mesma energia criativa e o mesmo interesse pelos labirintos das relações humanas. Aí está, graças ao streaming, o delicioso “Agente Triplo” (2004), tendo como pano de fundo a França de 1936-37, quer dizer, um momento em que se começavam a adensar os sinais premonitórios da Segunda Guerra Mundial.

O contexto histórico é, no mínimo, atribulado. Por um lado, a Frente Popular triunfa em França; por outro lado, começa a Guerra Civil em Espanha — entretanto, na Alemanha, os nazis vão consolidando o seu poder. No centro do filme está Fiodor Voronin (Serge Renko), um ex-general do Exército Imperial Russo, que vive em Paris com a sua mulher de origem grega, Arsinoé (Katerina Didaskalou); sem que Arsinoé saiba, Fiodor é espião ao serviço da União Soviética…

A narrativa de Rohmer explora, assim, as convenções do tradicional filme de espionagem, ao mesmo tempo escapando a todos os seus clichés. Na verdade, o que ele expõe é a perversidade de uma época em que, devido aos conflitos em jogo, cada personagem parece “forçada” a existir com uma identidade dupla (ou tripla…).

No limite, tudo acontece como se a história fosse um teatro de muitas máscaras. “Agente Triplo” sabe revisitar esse tempo com a precisão de um olhar clínico, capaz de combinar o desencanto face aos equívocos das relações humanas com um humor tão discreto quanto contundente — nada que seja estranho aos filmes “romanescos” de Rohmer, mas desta vez recuando a uma época de peculiar fascínio e inquietação.

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