Cultura

À espera de Cannes

Como já é tradição, o Festival de Cannes vai dedicar um espaço importante às memórias dos clássicos — Jean-Luc Godard é um dos autores a ser redescoberto.

Brigitte Bardot em "O Desprezo": a obra-prima de Godard regressa a Cannes, na secção dos clássicos

João Lopes


Não é impunemente que Cannes conquistou o direito a usar o rótulo de "maior festival de cinema do mundo". De facto, para lá da quantidade imensa de novos títulos que chegam à Côte d'Azur — este ano entre 16 e 27 de maio —, o festival tem sabido consolidar uma dimensão complementar de montra dedicada às memórias da própria história do cinema.

Não por mera nostalgia, antes porque a pluralidade das relações com essa memória enriquece qualquer perspectiva presente, e sobre o presente, do cinema. Este ano não será excepção, com destaque para a evocação de Jean-Luc Godard (falecido a 13 de setembro de 2022, contava 91 anos).

Assim, aquelas que terão sido as derradeiras imagens (e sons) com que Godard trabalhou serão apresentadas como o "trailer do filme que nunca existirá" — o título: "Drôles de Guerres". Será também revelado o documentário "Godard par Godard", realizado por Florence Platarets, e estreada uma cópia restaurada (4K) de um dos seus títulos mais míticos: "O Desprezo", produção de 1963 protagonizada por Brigitte Bardot e Michel Piccoli, tendo como base o romance homónimo de Alberto Moravia.

Tudo isto acontecerá, precisamente, na secção "Cannes Classics", isto é, por excelência, um lugar de memória(s). Com um crescimento exponencial nos últimos anos, os clássicos de Cannes são a expressão, de uma só vez espectacular e pedagógica, de uma vontade de reencontro e redescoberta do património cinematográfico — de todas as origens e todas as culturas.

Este ano, entre cerca de três dezenas de títulos, será possível ver ou rever obras do japonês Yasujiro Ozu, do inglês Alfred Hitchcock ou do francês Claude Sautet. Isto sem esquecer vários documentários que se debruçam sobre a herança de criadores e produtores — o destaque vai, desde já, para "100 Years of Warner Bros.", de Leslie Iwerks, revisitando a história gloriosa do estúdio que os mais jovens, provavelmente, apenas conhecem através dos modernos filmes de Batman (veja-se um video oficial do próprio estúdio).

Como contraponto simbólico, vale a pena referir que o festival continua a gerir e rentabilizar as suas próprias memórias. Assim, este ano, alguns vencedores do certame reaparecem na selecção oficial, concorrendo uma vez mais para a Palma de Ouro — são eles o turco Nuri Bilge Ceylan, o italiano Nanni Moretti, o japonês Hirokazu Kore-eda, o inglês Ken Loach e o alemão Wim Wenders.

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