A pouco e pouco, ao longo dos últimos meses, temos vindo a descobrir nas salas escuras alguns dos títulos mais importantes da edição de 2022 do Festival de Cannes (este ano agendado para 16-27 maio). Entretanto, vão também chegando às plataformas de streaming. É o caso de “Nostalgia”, de Mario Martone, centrado na personagem de Felice Lasco, de regresso à sua cidade, Nápoles, depois de 40 anos de ausência.
Vale a pena recordar que Martone, natural de Nápoles, precisamente (nasceu a 20 de novembro de 1959), tem sido um dos cineastas italianos que, nas últimas décadas, tem sabido explorar os tradicionais modelos dramáticos em que determinados contextos são filtrados por experiências pessoais muito particulares — citemos apenas a sua excelente primeira longa-metragem, “Morte de um Matemático Napolitano”, lançada em 1992.
No caso de “Nostalgia”, a odisseia de Felice, inevitavelmente nostálgica, como refere o título, vai sendo contaminada pela descoberta, ou melhor, pelo reencontro com formas de tensão que ele julgava terem desaparecido. Nesta perspectiva, pode dizer-se que este é um filme em que a crónica social se entrelaça com as convulsões de um processo de interrogação eminentemente pessoal.
No papel de Felice, Pierfrancesco Favino, que vimos, por exemplo, como protagonista de “O Traidor” (2019), de Marco Bellocchio, volta a mostrar todas as suas qualidades de interpretação, afinal na tradição de grandes actores de Itália como Alberto Sordi ou Vittorio Gassman. Sem esquecer que, para lá da verdade humana de todo o elenco, este é também um exemplo de um cinema que não desiste de explorar as regras de um realismo estrito, sempre ligado à minuciosa atenção aos lugares e ambientes — elemento significativo dessa visão é o rigor da direcção fotográfica, a cargo de Paolo Carnera.