Nos mais variados registos, do drama à comédia, a história do cinema contém histórias muito variadas sobre as ambivalências da identidade sexual. Um dos exemplos mais sofisticados, neste caso em registo subtilmente cómico, passou a estar disponível em streaming, além do mais permitindo-nos perceber a amplitude cronológica daquelas histórias — falamos de “Victor/Victoria”, uma realização de Blake Edwards (1922-2010) lançada há mais de quatro décadas, mais precisamente em 1982.
O título resulta da duplicidade da personagem central, a cantora lírica Victoria Grant. No cenário exuberante de Paris, em 1934, ela não consegue arranjar trabalho… Envolvida nos bastidores do espectáculo, nem sempre convivendo com figuras moralmente imaculadas, acaba por encontrar uma oportunidade que envolve uma pequena “dificuldade” — terá que fazer passar-se por… Victor!
Blake Edwards, convém não esquecer, realizou alguns belos filmes dramáticos (lembremos “Escravos do Vício”, uma produção de 1962), mas é um facto que grande parte da sua filmografia está ligada ao género cómico — afinal de contas, foi ele o autor da série de títulos de “A Pantera Cor de Rosa”, iniciada em 1963, com o inesquecível Peter Sellers a interpretar o Inspector Clouseau.
“Victor/Victoria” consegue a proeza de ser uma parábola desconcertante e divertida sobre as diferenças sexuais, ao mesmo tempo integrando componentes do melodrama clássico e do género musical. Com duas contribuições decisivas: a primeira é, obviamente, a sua mulher Julie Andrews, assumindo com contagiante alegria uma persomagem dupla, além do mais distanciando-se das características dos seus papéis mais célebres (em “Mary Poppins” e “Música no Coração”), respectivamente de 1964 e 1965); a segunda provém de Henry Mancini (1924-1994), fiel compositor das bandas sonoras da maior parte dos seus filmes — a música de “Victor/Victoria” valeu-lhe o último dos seus quarto Óscares.