Saúde e Bem-estar

É seguro fazer unhas de gel com os produtos certos ou deve ser evitado?

Os vernizes de gel com a substância TPO foram proibidos na União Europeia, a partir do Dia 1 setembro. A restrição tem como objetivo diminuir os riscos associados às unhas de gel, mas não será suficiente. Os riscos permanecem, tanto para os clientes como para os profissionais, que mantêm contacto com matérias potencialmente alergénicas e cancerígenas.

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Ana Luísa Monteiro

Nos centros de estética e salões de beleza, as mãos repousam debaixo de pequenas caixas iluminadas com lâmpadas LED. Numa questão de segundos, o verniz ganha uma consistência dura, brilhante e resistente. Para muitas mulheres, as unhas de gel tornaram-se sinónimo de cuidado e praticidade. Mas por trás de uma aparência polida, escondem-se riscos que entram agora em debate.

Os produtos de unhas de gel que contenham a substância TPO (Trimethylbenzoyl Diphenylphosphine Oxide) foram proibidos em todos os países da União Europeia, desde o dia 1 de setembro. O ingrediente, usado para acelerar o processo de endurecimento do gel sob a radiação ultravioleta, foi classificado como potencialmente cancerígeno e prejudicial à fertilidade e ao desenvolvimento embrionário.

A decisão, aplicada em Portugal pelo Infarmed, não apanhou de surpresa os profissionais mais atentos. A Comissão Europeia já a tinha comunicado, a 4 de agosto, numa nota onde referia que todos os produtos com TPO, sem exceções, deviam ser retirados do mercado dos vernizes de gel. Mesmo assim, os profissionais queixam-se de prejuízos na hora da mudança: o stock em loja foi para o lixo e teve de haver novo investimento em vernizes. Mais protegidos ficaram aqueles que já recorriam a fornecedores que não utilizavam TPO, uma vez que já existiam alternativas no mercado, mesmo antes da proibição europeia.

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Será o TPO o único 'inimigo' para a saúde?

A norma da Comissão Europeia teve como alvo o TPO, uma substância entre uma vasta lista de ingredientes que compõem os vernizes de gel. A ação foi preventiva, na sequência de estudos recentes que sugeriam que o TPO podia ser prejudicial para a saúde.

A dermatologista Margarida Gonçalo, diretora do Serviço de Dermatologia da ULS de Coimbra e professora na Universidade de Coimbra, explica que o "TPO no verniz gel é usado em pequenas quantidades e a possibilidade de penetração no organismo, sobretudo nos casos dos utilizadores é reduzida". No entanto, ressalva, em entrevista à SIC Notícias, que alguns estudos recentes indicavam que o TPO podia "causar problemas de fertilidade e de malformações nos embriões".

"Não há qualquer evidência que estes efeitos sejam extensivos aos humanos. Contudo, por uma questão de precaução e segurança dos consumidores, o uso do TPO em cosméticos foi proibido em toda a União Europeia a partir de 1 de setembro", acrescenta.

E se, neste caso, a União Europeia atuou por precaução, o mesmo não aconteceu com outras substâncias presentes nos vernizes de gel, nomeadamente, os acrilatos (derivados de sais ou ésteres do ácido acrílico), amplamente utilizados em produtos cosméticos. Segundo Margarida Gonçalo, mais de 4% das mulheres descobrem, em consulta, que estão sensibilizadas a estas substâncias.

"Um risco comum aos utilizadores e aos profissionais de estética ungueal é a alergia (dermatite de contacto alérgica) aos diversos acrilatos que compões o gel/verniz gel. Estes químicos causam reações na pele dos dedos das mãos que podem ficar vermelhos, com vesículas ou bolhas e muita comichão ou com a pele grossa e a descamar e com fissuras dolorosas, tornando difíceis algumas tarefas da via diária", refere a médica.

Em entrevista à SIC Notícias, sublinha que os danos podem não ficar por aqui. A especialista alerta que os acrilatos são usados em procedimentos dentários e ortopédicos e, quando um paciente desenvolve uma alergia pode, no futuro, não conseguir receber certos tratamentos ou próteses. Soma-se ainda o risco de cancro cutâneo, provocado pela "exposição repetida e continuada à luz LED ou ultravioleta para polimerização/solidificação do gel".

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Profissionais das unhas de gel são os que correm mais riscos

Mais expostos do que os clientes, estão os profissionais da área. O cenário parece complicar-se com os alertas de vários especialistas para a ausência de normas que regulem o setor e para a existência de profissionais "inexperientes com as técnicas de trabalho", tal como dava conta, em 2019, um estudo publicado na Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional.

Na prática, quem trabalha com vernizes ou vernizes de gel mantém um contacto diário e continuado com as substâncias químicas e, por isso, tem maior probabilidade de apresentar reações como a dermatite de contacto alérgica, ou de ver outras alergias antigas agravadas. O estudo revelava que, nesse ano, os profissionais desta área já representavam cerca de 80% dos testes de pele feitos para avaliar dermatite de contacto relacionada com o trabalho.

Ao problema, pode ainda somar-se os clientes que tentam substituir-se aos profissionais, com kits caseiros de fazer unhas de gel. Numa rápida pesquisa na internet, encontra-se à venda uma vasta gama de vernizes de gel e de catalisadores com luz UV, a preços acessíveis e sem qualquer restrição de compra ao público em geral. Fica a dúvida sobre se os produtos são certificados e cumprem as normas europeias, e também se quem se arrisca a utilizá-los tem conhecimento suficiente e condições adequadas para trabalhar com estes materiais.

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É seguro fazer unhas de gel com os produtos certos ou deve ser evitado?

A dermatologista Margarida Gonçalo defende que, efetivamente, o TPO não é o único inimigo de quem faz unhas de gel. Apesar dos dados científicos escassos, a especialista aponta uma longa lista de riscos associados ao uso de verniz de gel, independentemente da presença da substância agora proibida.

"Nos utilizadores de unhas de gel/verniz gel podem ocorrer deformações das unhas, que podem ficar mais finas e quebradiças, ou mesmo com irregularidades inestéticas. Podem sofrer um processo chamado onicólise, em que a parte dura da unha se descola do leito e a unha fica parcial ou totalmente descolada do leito, o que se manifesta por uma cor amarelada da unha. Este defeito é difícil de tratar e pode demorar muito tempo (meses/anos) a recuperar completamente. Ainda, a longo prazo, a exposição repetida e continuada à luz LED ou ultravioleta para polimerização/solidificação do gel aumenta o risco de cancro cutâneo nos locais expostos", afirma.

Quanto à segurança e certificação, a médica sublinha que a ausência de TPO não garante que os produtos sejam seguros: todos contêm acrilatos, capazes de causar alergias na pele, reações respiratórias e, eventualmente, limitar certos procedimentos médicos ou odontológicos no futuro.

"Perante o elevado número de casos de alergia de contacto a estes produtos que nós observamos, tanto em Portugal como em toda a Europa, e que temos vindo a relatar em publicações científicas (mais de 4% das mulheres que nos aparecem na consulta de alergia de contacto estão sensibilizadas aos acrilatos das unhas de gel), penso que estes procedimentos estéticos deveriam ser descontinuados ou, pelo menos, deveria haver mais informação sobre os riscos para os profissionais e consumidores", conclui.

Facto é que unhas de gel continuam a atrair milhões de clientes que procuram uma aparência cuidada, assim como milhares de profissionais, na sua maioria jovens, que escolhem uma carreira na área da estética.

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