Ligou ao marido em "pânico, perdida e com medo". Tinha um cancro da mama incurável. Do outro lado do telemóvel, dois segundos depois, Irina ouviu que "tudo ia dar certo", a resposta possível de Rui, depois de "ficar sem respirar". Seguiram-se mais de dois anos de um "processo assustador", mas, sobretudo, de "amor" e de "apreciação pela vida. Com metástase no pulmão e depois no cérebro, Irina morreu em julho de 2022, e deixou um filho de 11 anos. Agora, Rui recorda a bravura e o "caminho a três, do início ao fim".
"Disse-lhe que a amava para sempre e que não desistia".
Foi a última coisa que Irina ouviu de Rui, depois de uma hora a lembrar-lhe os melhores momentos juntos.
Descreve-a como a pessoa "mais determinada" que alguma vez conheceu, "de uma "bravura impressionante" e de uma "coragem que enche o coração".
"Expressava as emoções com cada detalhe do rosto e tinha um olhar que dizia tudo", descreve o marido de Irina, em entrevista à SIC Notícias.
Irina tinha um nódulo na mama há cerca de um ano, mas adiou ir ao médico, sobretudo pelo excesso de trabalho e stress. Quando agiu, o primeiro exame dizia que era "benigno". Foi numa consulta de revisão e substituição de próteses mamárias que o cirurgião plástico achou o nódulo "suspeito". A biópsia revelou, em março de 2020, que era um tumor maligno.
Com 36 anos, primeiro sentiu-se em "pânico, perdida e com muito medo".
"Ligou-me com a voz a tremer. Lembro-me que quando me disse senti como se o meu coração tivesse saltado uma batida. Fiquei sem respirar. Dois segundos depois, disse-lhe que tudo ia dar certo, que íamos resolver", relata o marido.
Contaram ao filho, Santiago, agora com quase 13 anos, de forma "realista", mas sem serem "fatalistas". Reagiu de forma "completamente natural e tranquila".
Cancro de mama HER2+, Estadio IV, com metástase no pulmão
Meses depois e após uma "série de exames" chegou o diagnóstico final: Cancro de mama HER2+, Estadio IV, com metástase no pulmão.
"Pedimos uma segunda opinião em relação ao tratamento proposto, mas a opinião era consensual. Para a medicina era incurável", conta.
No início, o maior desafio foi aceitar o diagnóstico "sem presumir uma sentença de morte", um desafio que Irina "superou de uma forma absolutamente bonita e inspiradora".
"Conseguiu transformar aquilo que era um desafio num propósito de vida. Absolutamente apaixonante. Para a família como um todo foi igual. Isto nunca foi um caminho trilhado pela Irina sozinha. Foi um caminho feito a três. Desde o princípio até ao fim. Ninguém largou a mão de ninguém. Nos bons momentos e nos maus", recorda o marido, à SIC Notícias.
Irina tinha uma "espécie de diário virtual" no Instagram, "cancer_i_love_you", onde partilhava o que pensava e sentia. Com o tempo foi ganhando cada vez mais visibilidade pela "energia e forma absolutamente inspiradora e bonita como decidiu abraçar a vida com cancro".
Irina fez quimioterapia e os resultados foram "bons". Os tumores tinham "praticamente desaparecido", exceto um "foco residual na mama e na axila", conta Rui Marques. A metástase no pulmão tinha desaparecido, mas reapareceu meses depois. Os médicos nunca quiseram operar.
Dois anos depois do diagnóstico inicial, apareceram metástases no cérebro. Foram removidas por uma "uma equipa de neurocirurgiões incríveis" do Hospital de Santa Maria. A operação correu bem, mas dois meses depois surgiu um novo desafio: as metástases cerebrais voltaram a aparecer.
"Era um cancro muito agressivo".
"Amor cura": "Acreditámos nisso com todas as fibras no nosso corpo"
Irina, Rui e Santiago nunca sentiram que era uma "luta contra o cancro". Foi no amor que Irina encontrou "força, coragem, esperança e fé" para "conseguir navegar num processo tão assustador como o diagnóstico de um cancro considerado incurável".
"Foi um processo de revelação, de apreciação pela vida e por quem somos. Com altos e baixos, bons momentos e maus momentos, às vezes com medo e incerteza, outras vezes com muita fé e otimismo. Uma coisa sentimos sempre ao longo de todo este processo: amor. Amor uns pelos outros, amor próprio, amor pela vida. Por isso ela tatuou "amor cura" nas mãos. Acreditámos nisso com todas as fibras no nosso corpo".
Foi no amor que Irina encontrou vida. A vida que a doença "ameaçava tirar era reforçada com amor".
"Foi esse mesmo amor que me curou e ao meu filho quando os nossos corações foram esmagados com a notícia da morte dela", desabafa.
Não há uma "forma leve para lidar com o cancro da mama", mas é possível fazer "valer a pena todos os dias". Para as pessoas que estão a passar pelo mesmo, Rui Marques pede que se cuidem fisicamente e mentalmente, que não deixem que o "stress tome conta da vida".
"Acreditem e não desistam de viver. Escolham fazer o que vos faz bem. Escolham amar".
Corre 38 kms por semana em "tributo a Irina", enquanto pensa nas pessoas com cancro da mama
Um ano e três meses depois da morte de Irina, o marido sente-se "em paz e apaixonado pela vida".
"Saudoso sempre, mas a viver de forma plena e com o coração cheio de amor e esperança pela vida, pelo meu filho e pelas minhas pessoas", confessa.
Além de textos, sobre o que sente e o que viveu, no Instagram pessoal, em que partilha o que sente, Rui Marques está, durante este mês a correr 38 quilómetros por semana. É o “outubro rosa”, mês de prevenção do cancro da mama.
Para o cumprir, corre todos os dias, quer lhe apeteça ou não". 38 porque foi com essa idade que Irina morreu. É um tributo à Irina e quer sensibilizar as outras pessoas para a prevenção.
“Lembro-me dela sempre que corro. Da forma estóica como passou pelas quimioterapias, a cirurgia ao cérebro, a medicação, tudo. E penso nas pessoas que estão a passar pelo mesmo. Elas e as suas famílias. É por tudo isso que o faço”.