Um esboço de órgão humano foi criado, pela primeira vez, num embrião de animal. A experiência foi alcançada por uma equipa de investigadores chineses - na qual se inclui um médico espanhol - e abre a porta a futuras investigações para produção de órgãos. No entanto, este avanço científico levanta também questões éticas.
A equipa de investigadores do Instituto de Biomedicina e Saúde de Guangzhou (GIBH, na sigla inglesa), na China, deu um passo no caminho da produção de órgãos para transplante. Os cientistas reprogramaram células humanas adultas, recuperando a capacidade de formar qualquer órgão ou tecido orgânico, e introduziram-nas em embriões de porco com poucos dias, que tinham sido modificados geneticamente para não desenvolverem rins.
As células humanas preencheram a lacuna e geraram no embrião um rim rudimentar – ou seja, uma fase intermédia do sistema renal que é conhecido como mesonefro, explica o El País. Depois de uma gestação de 28 dias (cerca de um quarto do tempo normal para a formação de um porco), os embriões apresentavam rins, compostos por um misto entre células humanas e de porco.
Esta descoberta parte do trabalho do investigador espanhol Juan Carlos Izpisua que, em 2017, conseguiu criar um embrião porco-humano, com uma célula de homem por cada 100.000 de porco. Agora, Izpisua aplaude os feitos dos investigadores chineses e do médico espanhol.
“É um passo mais além e demonstra que as células podem se organizar no espaço e dar origem a estruturas de tecidos organizadas”, cita o jornal espanhol.
A procura de uma solução para agilizar os processos de transplantação tem movido a comunidade científica. A espera para receber um órgão pode ser longa – muitas vezes demasiado. Segundo o Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST) “o período de espera é variável e geralmente um pouco demorado tendo em conta a pouca disponibilidade de órgãos para transplante”. Nos Estados Unidos, por exemplo, há mais de 100.000 pessoas a aguardar por um transplante, sendo que 17 morrem a cada dia de espera.
A nível mundial, segundo dados do Observatório Global para a Doação e Transplantação, são transplantados mais de 144.000 órgãos por ano (dados de 2021) – ou seja, a cada hora são realizados 16 transplantações. Em Portugal, foram transplantados 814 órgãos em 2022, dos quais 476 foram transplantes de rim, avançou o ministro da Saúde, em janeiro deste ano.
Rafael Matesanz, fundador e ex-diretor da Organização Espanhola de Transplantes reconhece que este avanço científico “é um passo conceptualmente muito importante e muito significativo”, mas lembra que “não é o prelúdio para a produção de rins”.
Questões éticas se levantam
A alteração genética e a criação de embriões com células humanas levanta preocupações ao nível ético. Uma delas prende-se com a possibilidade de as células humanas introduzidas no embrião chegarem ao sistema nervoso do animal ou às gónadas reprodutoras – seja os testículos ou os ovários - criando um espécie de homem-porco.
“A questão é se é eticamente correto permitir que porcos nasçam com rins humanizados maduros. Tudo vai depender do grau de contribuição [das células humanas] nos outros tecidos do porco”, afirma Miguel Ángel Esteban, médico espanhol que integrou a equipa de investigadores.
Rafael Matesanz sublinha que há um “risco grande” de as células irem “para o sistema central e produzam um homem-porco” ou que se dirijam para “o aparelho reprodutor”, tendo um efeito semelhante. Essa foi uma preocupação dos investigadores do GIBH que realizaram modificações nas células humanas “de maneira a que não pudessem, de modo nenhum, chegar ao sistema nervoso central” do animal.
Segundo o estudo, publicado na revista científica Cell Stem Cell, “muito poucas” células humanas alcançaram o cérebro ou pela medula espinal do embrião de porco. Mas a questão ética irá manter-se nas próximas fases da investigação.
“Há uma clara derivação de todas estas experiências para a China, que tem uma legislação muito mais relaxada do que em Espanha ou nos Estados Unidos”, afirma Rafael Matesanz, citado pelo El País.
O primeiro passo está dado, mas o caminho ainda é logo – e cheio de obstáculos. A equipa do GIBH vai prosseguir com a investigação, procurando alcançar rins maduros. No entanto, a possibilidade de criar órgãos para transplantação está ainda longe de se tornar uma realidade.