Saúde e Bem-estar

A pandemia que voltará a matar mais do que a Covid-19

Há uma doença que em 2023 deverá voltar a matar mais do que a Covid-19. É esse o entendimento da comunidade científica a respeito da tuberculose. Deve-se estranhar como é que uma doença tão bem conhecida e curável na grande maioria dos casos pode provocar tamanhos estragos. Muitas das respostas ajudam a perceber a persistência de doenças evitáveis e curáveis.

Mahesh Kumar A.

Tiago Correia

A 24 de março assinalou-se o Dia Mundial da Tuberculose. Importa destacar a efeméride, porque é a doença que mais mata no mundo. Foi apenas destronada pela Covid-19 nos últimos anos, mas o regresso à normalidade voltará a fazer da tuberculose aquilo que nunca deixou de ser: uma pandemia persistente.

É mesmo de normalidade que precisamos falar. A Covid-19 era anormal, no sentido de surpreendente, e isso causou medo. O medo facilmente leva à ação política e aqui nos encontramos vacinados e prontos para conviver com o vírus. Em menos de 2 anos foram disponibilizados mais de 30 mil milhões de dólares – a esmagadora maioria dinheiro público – para a investigação e produção de vacinas.

Entre as muitas coisas que se aprendeu com a Covid-19 é o quanto a ação política determina o rumo de contágios, doenças e mortes. Por isso, em relação à tuberculose não pode haver lugar para ingenuidades: a causa número um para a persistência desta pandemia é a inação política.

Há um duplo problema em não se controlar a nível global a transmissão da bactéria causadora da tuberculose.

É um problema ético, na medida em que há meios de tratamento e de prevenção. Seria, pois, de esperar um recuo da mortalidade global muito superior aos 2% registados na última década (antes da Covid-19). Muitos fatores ajudam a explicar a inércia que se traduz em 1.6 milhões de mortes em 2021. Aqueles que estão no terreno a prestar ajuda humanitária e que fazem investigação são perentórios em afirmar de que há uma enorme indiferença pública e política pelo facto destas mortes atingirem sobretudo os países e grupos populacionais mais pobres e periféricos. Caso os números da ásia central ou áfrica existissem na Europa ou América do Norte, o caso seria bem diferente.

Contudo, o não controlo da tuberculose é também um problema de saúde pública, na medida em que potencia o aumento de infeções por estirpes resistentes aos antibióticos. A Organização Mundial da Saúde estima que em 2021 ocorreram 450.000 infeções por tuberculose multirresistente.

Aqui voltamos a entrar no tema das resistências antimicrobianas. Esta designação traduz agentes patogénicos (vírus, bactérias, fungos e parasitas) que sobrevivem e transformam-se face aos tratamentos disponíveis.

À luz dos princípios evolucionistas não há nada de surpreendente nisso, afinal a natureza é naturalmente adaptativa. Mas a questão é saber se a ação política tem lidado da melhor forma com esta complexidade no caso da tuberculose e é aí que nos confrontamos com dúvidas.

Claro que a investigação não para e tratamentos inovadores poderão entrar no mercado em pouco de tempo. As questões são: e as mortes que ocorrerão até lá? E o quanto a investigação fica mais cara devido à procura desenfreada e antecipada de novos tratamentos para fazer face ao elevado ritmo de contágio? Não seria dinheiro necessário noutras áreas? E o preço desta inovação para aqueles que à partida já estão em vulnerabilidade?

Uma vez mais, a Covid-19 devia ter servido como exemplo. Pela rapidez da investigação e da cooperação, mas também pelas medidas de rastreio, informação e controlo da transmissão. Além de tudo isso, pelo facto de se ter provado que ninguém está realmente em segurança enquanto houver descontrolo de doenças transmissíveis.

No caso da tuberculose continua a pensar-se no imediato e a ignorar-se os problemas enquanto não batem à porta. Aprendemos mesmo alguma coisa com a Covid-19? Parece óbvio que não. Valham-nos os desejos de que tudo fique bem.

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