O povoamento do território sempre foi uma enorme dor de cabeça. A peste negra que assolou a Europa em meados do século XIV, as guerras contra mouros e castelhanos e a necessidade de ocupar terras de além-mar, durante a expansão marítima, retardaram o crescimento da população.
Estima-se que Portugal tenha ultrapassado, pela primeira vez, a barreira do milhão de habitantes no início do século XV. Na dobra do milénio chegámos aos 10 milhões, mas 20 anos bastaram para que entrássemos numa curva demográfica descendente que nos coloca enormes desafios e interrogações. Em apenas 10 anos, Portugal perdeu 219 mil habitantes e a expressão "inverno demográfico" entrou, definitivamente, no léxico dos portugueses.
País de velhos
O país está entre os cinco mais envelhecidos do mundo, atrás do Japão, Itália, Finlândia e Grécia. De acordo com o censos de 2021, 23,4% da população portuguesa tem 65 anos ou mais, mas, como salienta o geógrafo Jorge Malheiros, do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT), "em Portugal temos uma diferença de 15 ou 20 anos entre a esperança média de vida e a esperança média de vida com qualidade, que é bastante mais baixa".
Uma realidade que, na opinião da economista Lara Tavares, do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP), tende a agravar-se pelo facto de "Portugal ter menos recursos para a enfrentar do que os países mais envelhecidos" que nos precedem. A esperança de vida dos portugueses está, atualmente, nos 80,4 anos.
Em Alcoutim, o concelho mais envelhecido do país, praticamente não se veem crianças. A situação é de tal modo dramática que o principal clube da terra, fundado em 1948, teve de abandonar a modalidade desportiva que lhe esteve na origem. O presidente do Grupo Desportivo de Alcoutim contou à Grande Reportagem que no final dos anos 90 deixaram de praticar futebol porque não havia atletas suficientes para formar uma equipa.
Com o Rio Guadiana à porta, o clube virou-se para a canoagem, mas também aí, o número de praticantes tem vindo a diminuir. Forçados a estudar em Vila Real de Santo António e a seguirem, posteriormente, para diferentes universidades do país, os jovens alcoutenejos raramente regressam a uma terra onde faltam empregos e diversões. O processo de desertificação acentua-se.
"Esperança" é uma palavra estrangeira
Enquanto Alcoutim definha, Vila do Bispo renasce no extremo ocidental do Algarve. Na turma do 4ºano da Escola Básica de Budens, a chamada dos alunos não passa despercebida:
- Adriana Boridan, Iris Faulkner, Luke Owens, Morris Hagitans, Olívia Labadie ...
A professora Vera Oliveira enumera as nacionalidades presentes na sala.
"Temos franceses, romenos, belgas, um franco argentino, ingleses, alemães ... é infindável. Ontem chegou uma menina brasileira e estão sempre a chegar até ao fim do ano".
A escola de Budens reflete a realidade de Vila do Bispo onde, segundo o último censos, 42,5% dos residentes são estrangeiros. "Fazemos muito gosto em tê-los cá", diz-nos a professora Tânia Silvestre, "mas acho que se começa a sentir um certo ressentimento pelo facto de conseguirem ter acesso às coisas que muitos dos locais não conseguem" - acrescenta. Entre as "coisas" a que docente da EB-2/3 de Vila de Bispo se refere estão, essencialmente, as casas.
De 2018 para 2021, as receitas do Imposto Municipal sobre Transmissões, que funciona como uma espécie de barómetro do mercado imobiliário, passaram de 647 mil para 4,6 milhões de euros. Para a presidente da Câmara de Vila de Bispo, este é um pau de dois bicos. "Ao mesmo tempo que está a trazer comunidade, está a aumentar de forma desenfreada o valor das habitações e as pessoas daqui não as conseguem adquirir porque estão a valores exorbitantes" - conclui Rute Silva.
Os brasileiros de Braga
Os preços das casas sempre foram um trunfo da cidade portuguesa cuja população mais cresceu nos últimos anos. A capacidade de atração da Universidade do Minho, os incentivos à criação de emprego qualificado e um mercado imobiliário pujante têm atraído a Braga jovens de diferentes proveniências.
Acresce, nos últimos anos, a "invasão" de brasileiros que representam já cerca de 8% da população residente na "cidade dos arcebispos". Segurança, emprego e uma boa oferta de serviços de proximidade são as principais razões da procura de Braga por parte de cidadãos do Brasil, que constituem a comunidade imigrante mais numerosa do país.
De acordo com o último censos, em 2021 residiam em Portugal 542.313 estrangeiros. A presença de cidadãos de outras latitudes é olhada com desconfiança por parte de setores da sociedade que parecem ignorar que temos uma das diásporas mais dispersas do mundo. E que, sem o contributo dos imigrantes que nos procuram, dificilmente seremos capazes de travar o processo de definhamento populacional em que estamos mergulhados. O povoamento do território volta a ensombrar o país.
Ficha técnica:
Jornalista: Carlos Rico
Repórter de Imagem: Rui Flórido
Edição de Imagem: Miguel Castro
Grafismo: Fernando Ferreira
Produção: Diana Matias
Imagens Drone: 4K Fly
Colorista: Jorge Carmo
Pós-Produção Áudio: Octaviano Rodrigues
Coordenação: Jorge Araújo
Direção: Ricardo Costa e Marta Brito dos Reis