Investigação SIC

SIRESP: falharam as antenas, os geradores e até o satélite

O apagão geral na Península Ibérica, a 28 de abril, revelou a fragilidade do SIRESP. A investigação SIC confirma que houve falhas em mais de 75% da rede de antenas do SIRESP, que um problema no gerador da central do Porto deixou todas as antenas do norte do país desligadas da rede e nem o sistema de redundância por satélite valeu, porque não havia energia no recetor do sinal.

Bruno Castro Ferreira

Frederico Correia

João Tiago

Patrícia Figueiredo

Eduardo Horta

Hélder Vasconcelos

Filipe Barbosa

Luís Silva

Quando, no dia do apagão, os bombeiros de Montalegre foram chamados para um incêndio, depressa perceberam que não iam poder contar com o SIRESP para comunicarem uns com os outros e com o comando.

"O SIRESP foi logo a primeira coisa a falhar. Por volta das 14:00 caiu", conta à SIC José Lopes, adjunto de comando dos Bombeiros Voluntários de Montalegre, concelho fronteiriço do distrito de Vila Real.

Por causa do apagão, os telemóveis também estavam condicionados. Não era, por exemplo, possível fazer chamadas, mas os dados móveis estavam a funcionar. Valeu ao comandante ter o número de telefone pessoal dos trabalhadores do comando sub-regional, dos comandantes das corporações vizinhas e da GNR - foi assim que conseguiu pedir reforços.

"Até os meios aéreos foram ativados via Whatsapp para o comando sub-regional", diz à SIC José Lopes.

O distrito de Vila Real já se habituou a conviver com as falhas no SIRESP, mas desta vez os problemas estenderam-se a todo o país.

"Constatou-se que o maior impacto na rede SIRESP adveio da falha da rede de transmissão, que afetou, no seu pico, 75,2% do parque, embora se mantivesse a funcionar no modo local", confirma à SIC fonte oficial do SIRESP. "Por outro lado, registaram-se, no seu pico, 74 EB (representativas 15,2% do parque) com perda de capacidade de operar devido ao fim de autonomia das baterias, após 8,5 horas de operação ininterrupta", detalha.

O sistema SIRESP baseia-se em cerca de 600 antenas espalhadas por todo o país. Grande parte delas está equipada com baterias que lhes permite funcionar mesmo quando a energia falha. Mas a autonomia, que ronda as 6 horas, não foi suficiente.

"Se nós sabemos que as baterias só duram seis horas, nós temos de estar precavidos para ter algum sistema para quando as baterias falharem, podemos ter um sistema para colocar as antenas a funcionar", diz à SIC Pedro Ferreira, comandante dos Bombeiros da Moita.

O SIRESP diz que as baterias até estão a ser trocadas por outras novas que "apresentam uma autonomia entre 10 a 22 horas". No entanto, no dia do apagão estavam equipadas "com a nova tecnologia de baterias" menos de uma em cada 3 antenas: 160 no total. Fonte oficial do SIRESP esclarece que está "prevista a cobertura total do parque, incluindo as Regiões Autónomas, até final de 2025."

Sem telemóvel nem rede SIRESP, o INEM também sentiu as consequências. Fonte oficial do Instituto Nacional de Emergência Médica assumiu à SIC que houve "constrangimentos pontuais no acionamento dos meios de emergência" por todo o país.

A ambulância do Fundão, por exemplo, perdeu totalmente as comunicações. "Eles deixaram de ter comunicações, quer telefónicas, quer por SIRESP. Vieram aqui ao quartel e disseram-nos que não conseguiam contactar com o CODU (Centro de Orientação de Doentes Urgentes), se nós tínhamos contacto", conta à SIC, José Sousa, comandante dos Bombeiros do Fundão.

Os bombeiros do Fundão conseguiram manter o contacto e a ambulância acabou por ficar no quartel durante o apagão. Caso contrário, "ficava totalmente inoperacional porque não tinha comunicação com ninguém", explica o comandante.

O INEM assume que a primeira região a causar preocupação foi o Algarve. No dia do apagão, a SIC assistiu ao momento em que uma antena móvel do SIRESP, que funciona por satélite, chegou ao Comando do Algarve, em Loulé. Ficou em prontidão, para ser usada se e quando fosse necessário, o que não chegou a acontecer. Mas mesmo que tivesse sido preciso usá-la, a antena não funcionaria.

A Investigação SIC apurou, e o SIRESP confirmou, que este sistema de contingência, que custou milhões de euros, esteve inoperacional durante a maior parte do tempo em que não houve eletricidade. "Foi detetada e reportada uma falha neste sistema de redundância satélite, entre as 15h58 e as 23h00", explica à SIC fonte oficial do SIRESP.

O serviço de redundância via satélite foi implementado depois dos grandes incêndios de Pedrógão Grande em 2017. Um investimento na resiliência do sistema que tinha falhado quando arderam os cabos que asseguram a ligação entre as antenas.

O serviço é, agora, da responsabilidade da NOS Comunicações, que até 2027 vai receber quase 800 mil euros por ano para operar o sistema. Questionamos o SIRESP sobre se a falha registada pode levar à resolução do contrato ou à aplicação de penalidades financeiras: "Trata-se de uma matéria que está em fase de análise". Já a NOS nem sequer respondeu aos contactos da SIC.

Pouco antes das 8 da noite, registou-se uma nova falha crítica. Desta vez, a consequência foi desligar da rede praticamente todas as antenas dos distritos do Porto, Braga, Viana do Castelo, Vila Real e Bragança. "A falha nos geradores do MSO (central) do Porto, da entidade subcontratada, ocorreu às 19h53 com duração de 70 minutos, deixando as 108 EB (estações-base) sem conexão ao referido MSO, mantendo-se a funcionar em modo local."

A "entidade contratada" a que se refere fonte oficial do SIRESP é a MEO. Contactada pela SIC, a empresa diz que "já não é prestadora do serviço SIRESP desde o ano de 2023" e que apenas "disponibiliza alguns espaços técnicos físicos, não sendo responsável pela arquitetura de redundância e resiliência do serviço." O responsável será quem utiliza esses espaços físicos, ou seja, a NOS - responsável também pelos serviços de transmissão em circuitos terrestres do SIRESP.

Em condições normais, os utilizadores do serviço de comunicações de emergência e segurança não sentiriam a quebra na ligação, mas como o sistema de redundância por satélite também estava em baixo, as antenas perderam o contacto com a rede e ficaram totalmente isoladas.

E não foi só a norte que isso aconteceu. Na Península de Setúbal, as corporações relataram que o sistema faliu a partir das 19h. Para Luís Silva, comandante dos Bombeiros Voluntários do Montijo, "é grave ficar duas horas sem contacto". "Até ficar dez minutos ou um quarto de hora sem contacto é grave, porque nós nunca sabemos quando é que a ocorrência pode surgir", acrescenta.

Depois de várias polémicas, o SIRESP foi adquirido pelo Estado em 2019. A manutenção e operação do sistema foi dividida em 7 lotes, todos atribuídos a empresas que venceram os respetivos concursos públicos.

Agora, o governo criou um novo grupo de trabalho para avaliar o futuro do SIRESP e quer ter conclusões em 90 dias.

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