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Combate ao narcotráfico: Portugal enfrenta "multinacionais do crime" que "não conhecem fronteiras"

Portugal está no mapa dos cartéis que usam a via marítima para fazer chegar à Europa grandes quantidades de cocaína e haxixe. É Essencial perceber como é que as autoridades portuguesas estão a enfrentar um combate desigual em recursos humanos e financeiros. Veja aqui o episódio completo.

Conceição Lino

Cláudia Machado

Ana Rita Sena

Rafael Homem

Carlos Rosa

Francisco Barreto

Luís Bernardino

Salvador Reto

A via marítima é ainda a rota mais usada pelos traficantes para fazer chegar à Europa grandes quantidades de cocaína - com origem na América Latina - e de haxixe - do norte de África, sobretudo Marrocos. Se no primeiro caso é mais frequente o uso de contentores, misturando a droga com carga legítima, o outro as redes procuram cobrir a menor distância a percorrer com embarcações de alta velocidade, popularmente conhecidas por lanchas rápidas ou voadoras.

É Essencial perceber como as autoridades portugueses estão a fazer frente a esta ameaça, que tem por trás a atividade criminosa mais lucrativa do mundo. Um poder paralelo que compete com poderes legítimos instituídos e que se move com recursos praticamente infinitos.

“Estamos a falar de atividades que são dominadas pelo crime organizado, por organizações criminosas que são verdadeiras multinacionais do crime, que têm enormes recursos técnicos, humanos e financeiros e que não se vinculam àquilo que são as regras, nem conhecem fronteiras”, afirma Artur Vaz, diretor da Unidade de Combate ao Tráfico de Estupefacientes (UNCTE), da PJ, reconhecendo que, apesar de considerar que está a ser dada uma resposta “bastante eficaz” a este problema, através da colaboração “com um conjunto vasto de autoridades”, onde se incluem outras polícias, a Marinha e a Força Aérea, não tem sido possível “erradicar esse fenómeno”.

A Marinha, não tendo com principal missão o combate ao tráfico de droga, procura criar uma barreira no acesso dos traficantes à costa portuguesa através da Polícia Marítima e do corpo de Fuzileiros. Recebendo informações da PJ, órgão responsável por investigar este tipo de crimes, colabora em apreensões que envolvem, por vezes, perseguições a alta velocidade, em alto-mar. Também nesses momentos se percebe o desequilíbrio de forças.

“Uma embarcação rápida de narcotráfico custa, no mínimo, um milhão de euros. Mal sentem uma dificuldade, abandonam a embarcação porque perder um milhão de euros, para eles, não é crítico”, sublinha o almirante Gouveia e Melo, Chefe do Estado-Maior da Armada.

Perdas milionárias que se tornam quase ninharias para as redes que movimentam milhões de euros em carga ilícita todos os anos.

Uma barreira na lei

Além de criar barreiras ao tráfico em alto-mar, as autoridades portuguesas procuram também, à semelhança do que aconteceu em Espanha, em 2018, criar barreiras legais, que lhes permitam travar o fenómeno das lanchas rápidas na costa portuguesa. Até porque a lei espanhola teve efeitos em Portugal.

“Em função disso, começámos a notar em Portugal, a partir de finais de 2019, princípios de 2020, um aumento de situações de guarda e armazenamento deste tipo de embarcações em território nacional”, refere Artur Vaz, lembrando que a PJ "acabou por propor a aprovação de uma legislação específica nesta matéria para proibir a posse, a guarda e o transporte deste tipo de embarcações fora de determinadas circunstâncias".

Agora, a “esperança é de que a proposta vá por diante”. Isto porque, com a queda do anterior Governo e tomada de posse do novo Executivo, a lei ainda não avançou no Parlamento.

A SIC questionou o Ministério da Justiça sobre o caso e obteve a seguinte resposta: “Confirmamos que recebemos esse tema na pasta de transição do anterior governo, mas ainda não há desenvolvimentos.”

Do lado de quem enfrenta o poder destas lanchas voadoras, a aprovação de legislação é “claramente o caminho”.

“A partir de uma determinada velocidade, andar no mar não tem prazer nenhum porque se anda aos saltos, é super incómodo e até faz mal à coluna. Portanto, a posse de uma lancha rápida só tem um objetivo, que é fazer um trânsito rápido e poder escapar às autoridades. Nós devemos evitar que esses instrumentos possam ser fabricados em Portugal e possam ser colocados ao serviço do narcotráfico”, defende o almirante Gouveia e Melo.

O que acontece à droga apreendida pelas autoridades?

A Polícia Judiciária é responsável pelas investigações às redes de tráfico de droga. Quando é feita uma operação, é necessário levar os estupefacientes para o Laboratório de Polícia Científica, onde serão analisados e documentados para que nenhuma prova fique de fora de um eventual processo-crime.

A SIC acompanhou todo o percurso da droga desde que chega às mãos dos especialistas de Polícia Científica até à sua destruição, depois de haver luz verde da Justiça, em fornos que ardem a 980 graus.

Os especialistas enfrentam vários desafios, até porque nem sempre os primeiros testes dão respostas claras.

“O mais difícil é quando, numa primeira análise, não temos um resultado. Quando detetamos logo alguma coisa é fácil, se não detetamos é porque não existe ou não está…”, explica Maria João Caldeira, chefe do setor de Drogas e Toxicologia do LPC, da PJ, adiantando que, nesses casos, procuram “técnicas diferentes e informação nas redes de trabalho”.

A cocaína preta entra nessa lista de desafios, já que passa despercebida aos primeiros testes rápidos, feitos ainda no terreno. É no laboratório que se descobre que uma simples embalagem de café moído pode muito bem ser um produto ilícito.

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