Margarida Couto é presidente do Grace, Associação Empresarial que atua nas áreas de responsabilidade social e sustentabilidade, e veio ao podcast Ser ou não ser falar das lutas que trava há anos para conseguir um estatuto para as empresas sociais e da resistência dos stakeholders a esta matéria. “É como se o lucro no lado social fosse impuro. Mas este é tão bom como o uso que se fizer dele. Substituir um filantropo pelo investidor social é reciclar o dinheiro”, garante. A sócia fundadora da Sociedade de Advogados Vieira de Almeida & Associados admite que ainda existem muitas empresas portuguesas irresponsáveis, mas “são cada vez menos. Ser irresponsável não é uma opção, não assegura a sua sobrevivência”.
A Comissão Europeia está a impor novas regras e a legislação que aí vem em termos de ESG (sigla para práticas ambientais, sociais e de governança) é um desafio para as PME, que representam 99% do tecido empresarial nacional. Será o Grace uma espécie de bóia de salvação para as ajudar a ultrapassar alguma iliteracia nesta avalanche regulatória? Para Margarida Couto a visão da bóia é limitada, é apenas de sobrevivência. “O Grace oferece mais. É uma prancha de surf”.
A responsável do Grace acredita nas empresas como uma força para o bem. Porém, as externalidades negativas, como o uso de recursos naturais que podem ser escassos para as gerações futuras, são temas a pôr em cima da mesa. “As organizações têm de ler o contrato social. Não há nada mais insustentável do que uma empresa falida”. Quem entender este “jogo” levará o negócio a bom porto.
A maioria das pequenas empresas vai à boleia das grandes. As PME estão em maior risco de naufragar neste novo paradigma. As grandes empresas assumiram compromissos. Exemplo? Neutralidade carbónica até 2050. Ora, uma empresa que manifestou publicamente cumprir estas metas, não o faz sozinha. A sua cadeia de valor, de fornecedores também terá de o fazer, sob pena de perder o cliente. Quem fica a ganhar? O concorrente que já está alinhado nos temas da sustentabilidade. “Os clientes e os consumidores não vão para a estratosfera. Mudam para a concorrência que consegue cumprir”. Porém, para conseguirem fazer a mudança é preciso ter lucro. “Se as empresas não gerarem riqueza, não criam emprego. Não podem aumentar salários, nem investir em inovação”.
Os salários baixos e o ‘nó’ da carga fiscal em Portugal
E por falar em salários, este é um dos calcanhares de Aquiles no mundo empresarial. O salário mínimo são 760 euros. De acordo com o Governo será de 900 euros em 2026. O custo de vida não baixou, pelo contrário. O que pensam as empresas responsáveis fazer? “As empresas responsáveis muitas vezes não pagam melhor aos seus trabalhadores não por serem maléficas, mas para manterem a competitividade. A carga fiscal dá um nó nesta matéria: cada vez que uma empresa aumenta em 100 euros um colaborador, paga 123 euros e este recebe cerca de 50 euros. O que não é grande coisa.” Quanto à disparidade salarial entre funções, Margarida Couto diz que o mercado é global e que as empresas lutam para reter e atrair os melhores talentos. No entanto, admite que este fosso começa a ser menos tolerado. “Um dos novos indicadores que passa a ser obrigatório é a empresa dizer nos relatórios qual o ‘gap’ salarial entre a pessoa mais bem paga e a mediana”. Isto vai levar as empresas a compararem práticas e ajustarem-se ao mercado. Até porque no caso da sustentabilidade um mais um não são dois. A matemática da escola aqui não funciona. Não há nenhum desafio que se vença sozinho. “No mínimo tem de ser resolvido com os players da mesma indústria”. No Grace tentam fomentar este espaço de partilha. “Depois podem sair dali e desguedelharem-se no mercado”.
O Grace nasceu com o “S” de ESG, de social ou de stakeholder. É uma letra que lhe diz muito e destaca a curiosidade de o S ter duas “barrigas”, em que uma está virada para dentro e a outra para fora. “É o S dentro da nossa casa, como nos relacionamos com os nossos colaboradores; mas depois também há o S para fora, ou seja, como nos relacionamos com a comunidade”.
O impacto da saúde mental nas empresas
Margarida Couto lembra a pandemia para falar do impacto que os problemas de saúde mental têm dentro das empresas: “Trabalhar a partir de casa levou muitas pessoas a situações de burnout e as empresas perceberam que a sua resiliência estava posta em causa. Houve muitas empresas que sentiram um abanão maior, por terem tido mais pessoas em burnout e isso levou as empresas a consciencializarem-se sobre a importância de olharem para esse tema.”
“Todas as famílias que tiveram que trabalhar a partir de casas pequenas, com filhos pequenos, se não tiveram burnout andaram lá perto. E, no entanto, a economia teve de continuar a funcionar e as empresas tiveram que aprender que, afinal, a saúde mental dos colaboradores era do seu próprio interesse”, sublinha.
A fechar o podcast veio à tona o porquê de ainda não existir um regime jurídico para as empresas sociais. Um tema que deixou a nossa convidada em brasa. “Não me puxem pela língua!”. Oiça toda a conversa aqui.
'Ser ou não ser' é um podcast semanal sobre o mundo da sustentabilidade, da ecologia e da responsabilidade. A cada episódio, mergulhamos em tópicos relevantes, desde práticas individuais até iniciativas globais, com convidados apaixonados por este tema. Damos voz a líderes de empresas, ativistas, empreendedores e especialistas, para partilharem experiências e soluções inovadoras para um futuro mais sustentável. 'Ser ou Não Ser' é um podcast do Expresso SER, com moderação da jornalista Teresa Cotrim e o convidado residente Frederico Fezas Vital, professor e consultor na área da inovação social, impacto e empreendedorismo. A coordenação está a cargo de Pedro Sousa Carvalho.