O Futuro do Futuro

Como se faz um prémio Nobel de Ciência? Três cientistas portugueses explicam os prémios de Física, Medicina e Química em 2023

Cecília Arraiano, Ermelinda Maçôas, e José Manuel Rebordão revelam alguns dos “segredos” dos prémios Nobel da Física, da Medicina, e da Química de 2023. Uma oportunidade para perceber de uma vez por todas o que são as vacinas de ARN mensageiro, os pontos quânticos e os feixes de luz ultrarrápidos

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O que fazem três cientistas num estúdio? A resposta é: explicam os mais recentes prémios Nobel da Física, da Medicina e da Química e ainda reservam alguns minutos para apontar as razões que fazem com que Portugal continue, desde 1949, com um único laureado na área das ciências. Cecília Arraiano, do Instituto de Tecnologia Química e Biológica da Universidade Nova de Lisboa (ITQB), Ermelinda Maçôas, do Instituto Superior Técnico, e José Manuel Rebordão, professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, responderam ao repto deste episódio ao tentar condensar, em poucos minutos, investigações complexas que podem demorar décadas a produzir resultados – ou que simplesmente precisam de uma oportunidade para fazer a diferença.

“Katalin Karikó e Drew Weissman já faziam esta investigação há mais de 20 anos antes do Nobel, embora não fossem muito incentivados pelas agências financiadoras ou pelos média”, responde Cecília Arraiano, sobre os dois cientistas que foram laureados com os prémios Nobel da Medicina de 2023, devido ao contributo dado para o desenvolvimento das vacinas de ácido ribunocleico mensageiro (ARNm), que ajudaram a travar a progressão da pandemia de covid 19.

A investigadora do ITQB trouxe ao podcast Futuro do Futuro uma entrevista de vídeo com a cientista húngara e o cientista americano que ganharam o Nobel de Medicina deste ano.

No Nobel da Química de 2023, foram os pontos quânticos e o desenvolvimento das primeiras técnicas que permitiram que partículas produzam cores diferentes devido ao facto de o comportamento de átomos e eletrões alterar consoante as dimensões.

“Aquilo que nós percebemos facilmente é que o tamanho afeta a cor que elas (as partículas) absorvem e por isso afeta também a cor que exibem, que é a cor complementar, ou seja, a cor que nós vemos”, descreve Ermelinda Maçôas.

“As partículas mais pequenas vão emitir na zona do azul e as partículas de maiores dimensões vão emitir na zona do vermelho, do espectro visível, mas também na zona do espectro que não vemos, que é o infravermelho”, acrescenta a professora do Técnico.

Os pontos quânticos ou quantum dots já começaram a dar que falar em alguns televisores, aplicações biomédicas e marcadores de células cancerígenas, informa ainda Ermelinda Maçôas.

Foi com recurso à arte que a professora do Instituto Superior Técnico ilustrou o potencial dos pontos quânticos. Desta feita tratou-se uma imagem produzida por cientistas do Instituto de Ciência e Tecnologia da Coreia, que recorre aos quantum dots para replicar o famoso quadro que Andy Warhol fez de Marilyn Monroe.

O Nobel da Física de 2023 também premeia o trabalho levado a cabo em torno de alguns dos elementos mais ínfimos do universo – mas teve por propósito desenvolver feixes de luz ultra-rápidos que hoje permitem obter informação sobre o comportamento de eletrões e átomos. O francês Pierre Agostini, o húngaro Ferenc Krausz, e a francesa Anne L’Huillier são os três laureados de Física em 2023.

“Na química e na bioquímica, falamos de milissegundos, microsegundos, etc. E quando chegamos à zona da física atómica, portanto do comportamento de um átomo, saltamos para os atossegundos. O que é que é o atossegundo, o que é que ele representa? Não temos ideia nenhuma do que é um atossegundo!”, responde José Manuel Rebordão na tentativa de explicar o que está em causa com o desenvolvimento de um sistema que trabalha a luz a frações tão ínfimas que acabam por escapar ao entendimento humano.

Para ajudar a explicar o princípio científico na origem da atribuição do Nobel da Física de 2023, José Manuel Rebordão trouxe uma ilustração que poderá contribuir para a compreensão da ciência enquanto se escuta a explicação científica que é narrada durante o podcast.

Sobre o facto de não haver um prémio Nobel português na área das ciências desde 1949, quando Egas Moniz foi laureado, os três investigadores recordam que o avanço da ciência exige muito tempo e muito dinheiro. E é aí que o sistema científico português tarda em corresponder às expectativas.

“Em Portugal tivemos um boom muito bom quando foi do professor Mariano Gago e a ciência de facto catapultou em muitos sentidos, mas agora…”, alerta Cecília Arraiano, numa referência aos investimentos levados a cabo pelo antigo ministro da Ciência Mariano Gago.

José Manuel Rebordão aponta o dedo à “fragmentação”, que impede a concertação de esforços e abre caminho à sobreposição de projetos.

“Temos um número elevadíssimo de unidades de investigação independentes e aquilo que devia ser feito em conjunto para potenciar massas críticas é feito de uma forma separada, cada qual em muitos casos está a repetir aquilo que parceiros a 10, 20, 50 quilómetros de distância estão a fazer”, denuncia o investigador.

Ermelinda Maçôas não deixa de chamar a atenção para uma outra problemática que produz efeito a nível internacional, sem deixar de lembrar que já se verificam evoluções nos últimos tempos. “É um reflexo da nossa sociedade. À medida que as mulheres vão tendo um papel mais relevante, é algo que também vai mudar”, conclui a investigadora.

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