A denúncia pode chegar a qualquer momento. Sara Marques, da Associação para o Planeamento da Família (APF), sinalizou, este ano, 26 vítimas ou presumíveis vítimas de tráfico humano no distrito de Faro.
“Percebemos se a vítima está em segurança ou se precisa de ser retirada do local e depois está tudo pronto para o contacto com o órgão de polícia criminal, que é a PSP, a GNR ou então a PJ”, explica Sara.
É no Norte e no Alentejo que se concentra o maior número de casos, mas as denúncias têm aumentado em todo o país. As situações mais comuns remetem sobretudo para o tráfico laboral. “Pode ser trabalho agrícola sazonal, construção civil, restauração,...”, enumera Sara Marques.
Mas também a prostituição forçada é um dos grandes responsáveis. Há cada vez mais vítimas mulheres.
“A própria prostituição mudou no tempo de Covid. Há um conjunto de mudanças que levaram a que a prostituição se tornasse mais escondida”, nota Marta Pereira, coordenadora das equipas multidisciplinares especializadas da APF.
Quando o perigo está dentro de portas
No caso de Fátima [nome fictício], o destino não foi ditado por uma rede criminosa de exploração laboral, mas pelo ex-marido. Emigrou aos 25 anos, porque o companheiro lhe tinha prometido uma vida melhor em Portugal. Quando cá chegou, não havia trabalho. Foi uma mentira para a tornar refém noutro país.
“Batia-me. Não me deixava ir a lado nenhum. Não tinha documentos, ele ficou com o meu passaporte e com o meu telemóvel, com o carro, tudo. Eu não tinha nada, nada mesmo”, relata. “Fiquei em casa, sem água, sem luz, sem comida, sem gás.”
Os abusos intensificaram-se e ir ao hospital não era opção. Escapou passados cinco anos, graças a uma vizinha, e desde então que é acompanhada por uma equipa da APF.
“Agora tenho liberdade total. Tenho cama, não estou a dormir na rua. Tenho uma boa casa. Tenho também o meu emprego. Os meus filhos andam na escola, estão a estudar”, conta.
Pedir a e aceitar ajuda
O papel das organizações não-governamentais, como a APF, é garantir que casos como o de Fátima têm um desfecho positivo. No pós-resgate, as vítimas são encaminhadas para um Centro de Acolhimento e Proteção, cuja localização é confidencial, até que tenham condições de regressar à sociedade.
“Têm apoio psicológico, apoio alimentar, apoio escolar, se tiverem crianças, apoio social”, explica Sara Marques. “Fazemos aponte entre as diligências que precisam e uma entidade como a AIMA [Agência para a Integração, Migrações e Asilo]”, acrescenta.
“A maioria das vítimas de tráfico de seres humanos não pede ajuda e não aceita ajuda, num primeiro momento”, nota Marta Pereira, esclarecendo que, muitas vezes, não confiam nos órgãos de polícia e justiça criminal, habituados à corrupção dos mesmos nos países de origem.
De acordo com o Observatório do Tráfico de Seres Humanos (OTSH), foram sinalizadas em Portugal, no ano passado, 622 potenciais vítimas de exploração. Das suspeitas levantadas, 391 foram consideradas válidas e mais de uma centena ainda está por deslindar.