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O conforto de ter o lugar do lado livre? A prática das companhias aéreas que pode deixar o planeta desconfortável

Reservar o lugar do lado no avião (para que nenhuma outra pessoa se possa sentar perto) é um serviço cada vez mais oferecido pelas companhias aéreas em todo o mundo. Por regra, só pode ser feito poucas horas antes do voo, mas, mesmo assim, há efeitos na lotação dos voos... e na pegada ecológica que deixam.

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Rita Carvalho Pereira

Em trabalho ou em férias, não interessa: imagine que tem um longo voo pela frente. E já sabe que tem a viagem “estragada” logo à partida. Sem espaço para colocar os ombros nas laterais do assento, com as pernas encolhidinhas e obrigado a pedir licença sempre que precisar de ir à casa de banho. Sim, calhou-lhe o lugar do meio. O voo está completo e não há nada que possa fazer em relação a isso. Ou será que há?

São cada vez mais as companhias aéreas que oferecem aos passageiros (e até incentivam) a possibilidade de comprar os lugares ao lado, nos aviões, vazios – para que possam viajar sem ninguém sentado no assento seguinte. Mas quão penalizador para o ambiente pode ser isto? Quão ética é esta prática levada a cabo pelas companhias aéreas?

A aviação é um dos setores mais poluentes em termos de emissões carbónicas. O impacto carbónico do setor tem crescido, nas últimas décadas, a um ritmo bem maior do que o dos setores ferroviário e rodoviário. E é esperado que as emissões de CO2 continuem a trajetória ascendente, atingindo, no próximo ano, níveis nunca antes registados (nem no pico pré-pandemia, em 2019).

Perante este cenário, até que ponto levar aviões com lugares vazios, em nome do nosso conforto, não estará a deixar o planeta desconfortável?

"As consequências não são boas”

A associação ambientalista Zero não tem dúvidas de que esta é uma prática “que incentiva a termos menores taxas de ocupação, o que não é adequado, se queremos reduzir a pegada ecológica dos voos”.

Em declarações à SIC Notícias, o ambientalista Acácio Pires, que representa a associação, sublinha que aviões “com mais lugares vazios obrigam a que haja mais voos e aumentam a pegada ecológica”.

Apesar de admitir não ter dados concretos sobre como a prática se está a refletir no setor da aviação, a Zero sublinha que, confirmando-se que “começa a fazer caminho”, esta não será a via “mais aconselhável”, uma vez que leva a uma “menor eficiência energética”.

“Se esta prática se começar a instalar e a tornar relevante, trará consequências que não são boas”, explica Acácio Pires.

TAP diz que só reserva lugares que já seguiriam vazios

A TAP Air Portugal – que assume um compromisso ambiental, do qual a eficiência energética e a redução das emissões de CO2 são parte destacada - está entre as companhias aéreas que oferece aos passageiros a hipótese de reservar o lugar do lado. O serviço “Lugar do Lado Livre” é promovido na página da transportadora portuguesa na internet e em e-mails enviados aos passageiros.

O “espaço, para desfrutar de uma viagem ainda mais serena” e a “privacidade, para beneficiar de maior tranquilidade sem ninguém ao lado” são apontados como as vantagens deste serviço.

Contactada pela SIC Notícias, a TAP garante que, no caso da companhia portuguesa, a oferta só é feita aos passageiros quando esses lugares não foram comprados – pelo que seguiriam, de qualquer modo, vazios -, não pondo em causa a lotação do avião.

De acordo com o regulamento disponibilizado pela TAP – a “reserva de Lugar do Lado Livre” pode ser efetuada e paga em 36 horas e até duas horas antes da partida. Os passageiros são também alertados para o facto de que o serviço “está sujeito a disponibilidade”.

Bruxelas descarta responsabilidades

Sendo uma prática potencialmente lesiva do ambiente – e que pode contribuir para pôr em causa os objetivos europeus de redução das emissões carbónicas em 55% até 2030 e de atingir mesmo a neutralidade carbónica até 2050 -, haverá alguma restrição ou punição a aplicar, pelas autoridades europeias, a quem a leva a cabo? A resposta é não.

“Que nós conheçamos, não existe nenhum tipo de restrição [a estas práticas]. Existe grande liberdade nas práticas comerciais das companhias”, refere Acácio Pires, da associação Zero.

Questionada pela SIC Notícias, a Comissão Europeia não assume qualquer responsabilidade e põe todo o ónus na liberdade do mercado.

“Dentro do quadro regulamentar da União Europeia, decisões comerciais como estas são responsabilidade individual das transportadoras aéreas”, sublinha a Comissão Europeia.

Apesar de garantir que está a levar a cabo uma “política de descarbonização” da aviação, com vista a atingir a “neutralidade climática”, no que toca a estas práticas potencialmente nocivas, Bruxelas prefere não tomar parte no caso.

Desincentivos fiscais podem ser resposta

Apesar das metas ambiciosas, a responsabilidade europeia na questão das emissões de carbono na aviação tem alguns antecedentes recentes que podem gerar preocupação. Recorde-se, por exemplo, os famosos “voos fantasma”, durante a pandemia de Covid-19 – com as companhias aéreas a apontar que eram as próprias regras europeias de então que estavam a contribuir para a circulação de aviões sem passageiros.

“É aconselhável que se continue a investir no aumento das taxas de ocupação e o grande desafio dos próximos tempos será a adoção de combustíveis mais sustentáveis”, aponta Acácio Pires, da associação Zero.

Nesse campo, explica, haverá legislação europeia a obrigar “que uma parte do combustível seja sintético, a partir de 2030, e uma parte também de biocombustíveis introduzidos obrigatoriamente a partir de 2025”.

Os ambientalistas acreditam, contudo, que há mais formas de desincentivar práticas que têm influência na emergência climática - e que a União Europeia pode ir mais além.

“Há sempre possibilidade de ir mais longe. Há algumas coisas que vão, certamente, desincentivar isto”, refere Acácio Pires.

“Temos de agir, por exemplo, ao nível dos passageiros frequentes. Há muitas companhias que dão incentivos, descontos, a passageiros frequentes. Deve exatamente fazer-se o caminho inverso", defende o ambientalista, que considera que quem viaja mais vezes deve ser “taxado adicionalmente” por questões de “justiça climática”.

O representante da associação Zero nota que adquirir lugares de avião vazios pode, por exemplo, ser uma ação alvo de “algum instrumento fiscal”, que possa agir no sentido de condicionar a opção por estes serviços.

Mas a pressão, nota, pode chegar também dos próprios países que procuram promover-se como espaços para um “turismo mais sustentável”. “Por aí, poderá haver pressões para que os países adotem regras que vão nesse sentido”, indica.

O preço a pagar

Nesta equação do setor da aviação e das emissões, a questão mais importante, aponta a associação ambientalista Zero, será o facto de a aviação, a partir de 2026, deixar de ter licenças de emissão gratuitas.

"Todos vão pagar pelas suas emissões de CO2 – e isso terá um impacto, certamente, no preço dos bilhetes, pelo que viajar com um lugar vazio ao lado será cada vez mais caro”, constata Acácio Pires.

Os relatórios de sustentabilidade, em que “o volume de dióxido de carbono que é consumido por quilómetro é uma componente importante”, vão servir como forma de “pressão” às transportadoras aéreas.

Os próprios passageiros, se tiverem “amor à carteira”, vão ter de procurar opções mais vantajosas para viajar – e a resposta poderá estar na ferrovia.

“Usar comboio como complemento das viagens de avião é uma prática que seria importante aprofundar”, releva o representante da associação Zero.

O problema? Em Portugal não existe nenhum aeroporto servido pela ferrovia – ainda. Aalta velocidade deverá passar pelo aeroporto do Porto e também está previsto que o novo aeroporto a ser construído na área metropolitana de Lisboatenha ligação ferroviária. “Teremos de esperar algum tempo até que seja realidade.”

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