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“Se não fosse esta ajuda, morria mesmo”: o drama de quem vive como sem-abrigo em Lisboa

Apoio do Estado não é suficiente para as associações que alimentam aqueles que vivem nas ruas. Muitos são imigrantes que se viram sem emprego e sem documentos.  

Pedro Freitas

António Cunha

O número de pessoas sem-abrigo em Lisboa não para de aumentar. As associações que distribuem centenas de refeições diárias admitem não ter capacidade para responder a todos os pedidos de ajuda. Muitos são de estrangeiros. O apoio do Estado, avisam, não é suficiente.

“Se não fosse esta ajuda, morria. Morria mesmo”, desabafa Locado, imigrante cabo-verdiano, que depende da ajuda da Comunidade Vida e Paz todos os dias.

“É triste”, diz entre lágrimas, que se apressa a limpar. “Não posso chorar. O choro não para a dor.”

Com 60 anos, doente e quase já sem capacidade para andar, perdeu o emprego de carpinteiro e diz não receber qualquer apoio do Estado. Quer voltar para Cabo Verde, mas diz que não pode. “Tenho saudades da minha mãe, dos meus filhos. Tenho saudades da minha família.”

Vive refém da própria saúde e da boa vontade alheia, debaixo de um teto onde também se abrigam ratos.

O vizinho de Locado, José, chegou há duas semanas. Era guia turístico e perdeu o emprego. Agora também depende da ajuda alimentar.

Vive atormentado pela autorização de residência que caduca em menos de dois meses.

“Vai caducar no dia 17 de julho, mas ainda não consegui fazer marcação”, lamenta.

Recebe 237 euros por mês do Estado. O dinheiro não chega para tudo, mas garante que ainda não passou fome.

As carrinhas da Comunidade Vida e Paz distribuem alimentos em 110 locais de Lisboa e o número de pessoas sem-abrigo não para de aumentar - cresceu 25% no último ano. São sobretudo estrangeiros.

“Todos os dias estamos a encontrar nas ruas de Lisboa cerca de 550 pessoas”, conta Celestino Cunha, coordenador da Comunidade Vida e Paz. O aumento significativo, explica, está relacionado com “um aparecimento maior de pessoas migrantes vulneráveis”.

Na Gare do Oriente, a lotação está quase cheia de estrangeiros em situação de sem-abrigo, como Tiago.

“Fiquei travado nessa situação de sem-abrigo. Cheguei aqui a Portugal sem passaporte, só com o cartão de cidadão italiano. Eu pedi a minha documentação, [mas] não deu nada certo”, conta.

Sem emprego e sem dinheiro, a porta do crime abre-se todos os dias - mas Tiago tenta mantê-la fechada.

“Quando cheguei aqui a Portugal, estava trabalhando. Quando não estava trabalhando, estava fazendo m****”, confessa. “Estou fazendo vida de rua. Não faço parte do crime. Posso parece rum rapaz que faz isso, mas já não roubo. Eu roubava muito antes”, admite.

A Comunidade Vida e Paz tem 170 profissionais, quatro carrinhas de ajuda e 220 camas de acolhimento. Meios cada vez mais insuficientes para tantos pedidos - e o apoio financeiro do Estado já não chega.

“Foram quase duas décadas em que o valor da comparticipação não foi atualizado, com toda a inflação”, explica Celestino Cunha, que defende a criação de uma “situação de resposta excecional”.

A Câmara de Lisboa diz ser urgente retirar as pessoas das ruas da cidade. Até lá Tiago, José e Locado, três gerações sem-abrigo, vão ter de esperar por dias melhores, no local do costume.

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