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Inspeção-Geral da Saúde conclui que houve irregularidades no caso das gémeas luso-brasileiras

A IGAS vai enviar o relatório para o Ministério Público, a quem cabe apurar se foi cometido algum eventual crime no processo.

Carolina Rico

A Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) concluiu que as gémeas luso-brasileiras tiveram acesso irregular ao tratamento no Serviço Nacional de Saúde (SNS), que custou ao Estado milhões de euros.

Segundo o relatório, a que a SIC teve acesso, há evidências de irregularidades na marcação da primeira consulta no hospital de Santa Maria, realizada em 2020 na sequência de um telefonema efetuado pelo gabinete do então secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales.

“Não foram cumpridos os requisitos de legalidade no acesso das duas crianças à consulta de neuropediatria neste estabelecimento de saúde, uma vez que a marcação da consulta não cumpriu o disposto na Portaria n.º 147/2017, de 27 de abril, que regula o sistema integrado de gestão do acesso dos utentes ao Serviço Nacional de Saúde", pode ler-se.

Por outro lado, a IGAS considera que o “centro hospitalar cumpriu as normas técnicas e a legalidade no acesso e na prestação de cuidados de saúde a duas crianças”, que receberam o medicamento para atrofia muscular espinhal Zolgensma.

O regulador vai enviar o relatório para o Ministério Público, a quem cabe apurar se foi cometido algum eventual crime no processo de tratamento das gémeas.

Em resposta à SIC Notícias, António Lacerda Sales recusa comentar o relatório, mas refere que não foi notificado pelo Ministério Público. “Mantenho a minha consciência tranquila relativamente a este caso”, afirma.

Filho de Marcelo pediu consultas, secretária de Lacerda Sales contactou hospital

Segundo o relatório da IGAS, o então secretário de Estado da Saúde teve conhecimento do caso das gémeas depois de uma reunião com o filho de Marcelo Rebelo de Sousa, no dia 7 de novembro de 2019, “na qual lhe foi solicitada a colaboração para a obtenção de tratamento com o medicamento Zolgensma.”

Nesse mesmo mês, António Lacerda Sales “solicitou à sua então secretária pessoal, que contactasse telefonicamente o Dr. Nuno Rebelo de Sousa, que pretendia que fosse marcada uma consulta para duas crianças no Hospital de Santa Maria, tendo-lhe fornecido o número telefónico para o efeito.”

A pedido de Lacerda Sales, a secretária remeteu depois para o hospital informações sobre “a identidade das crianças, data de nascimento, diagnóstico e datas em que os pais poderiam estar presentes no referido hospital”.

A diretora do departamento de pediatria informou neuropediatra Teresa Moreno da “indicação do diretor clínico para a marcação das consultas de patologia neuromuscular para duas gémeas, até ao final do ano de 2019”, referindo-se que "o objetivo da família era especificamente a obtenção do tratamento com Zolgensma".

Em declarações aos jornalistas no ano passado, António Lacerda Sales negou ter contactado o Santa Maria. "Não marquei nenhuma consulta, não fiz nenhum telefonema, nunca recebi nenhum processo formalmente constituído. Portanto, também nunca contactei formalmente com o hospital de Santa Maria", afirmou o ex-secretário de Estado da Saúde. Mais tarde, em declarações à SIC Notícias, admitia que não se lembrava de ter marcado consulta.

Marcação da consulta foi ilegal, tratamento não

A IGAS considera que a marcação irregular das consultas “merece reparo, atentas as funções que então exercia” Luís Pinheiro, mas diz que “não é possível concluir que o diretor clínico tenha prestado um acompanhamento diferenciado aquando da prestação de cuidados de saúde”.

Após a primeira consulta, no dia 2 de janeiro de 2020 foram desencadeadas “consultas de especialidades complementares e requisições de meios complementares de diagnóstico para o adequado acompanhamento clínico das crianças e tratamento com o medicamento Zolgensma”.

O medicamento foi administrado às duas irmãs e a uma terceira criança no final de junho de 2020, depois da aprovação pela Agência Europeia do Medicamento, por “um preço inferior ao apresentado inicialmente pelo fornecedor”.

No capítulo das recomendações, a IGAS recomenda ao hospital de Santa Maria que “garanta o cumprimento dos requisitos de referenciação” previstos na lei “no acesso de utentes à primeira consulta de especialidade”.

Já à secretaria-geral do Ministério da Saúde, apela-se que “que assegure que a documentação que lhe é encaminhada por parte dos Gabinetes, para tratamento, seja objeto de despacho por parte do Ministro ou Secretário de Estado, ou membro do Gabinete no qual tenha sido delegada essa responsabilidade”.

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