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Consumo de droga está a aumentar em Lisboa

Segundo organizações que trabalham na área, o consumo de droga em Lisboa está aumentar de dia para dia, principalmente entre a população migrante e jovem. O presidente do ICAD reconhece que é necessário melhorar a resposta das equipas de tratamento.

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SIC Notícias

Lusa

O consumo de droga em Lisboa está a aumentar entre a população migrante e jovem, segundo organizações que trabalham no terreno nesta área.

A diretora da Ares do Pinhal, organização não-governamental que gere o único Serviço de Apoio Integrado dirigido às pessoas que consomem drogas, localizado em Lisboa, destaca, em declarações à Lusa, que as populações migrantes afetadas "têm aumentado de dia para dia".

São sobretudo pessoas oriundas da Ásia Meridional, onde o ópio é "culturalmente normal", e que em Portugal procuram substâncias equivalentes, como heroína fumada, retrata Elsa Belo, responsável pelo espaço instalado na Quinta do Loureiro (Alcântara), que providencia uma série de serviços, entre os quais salas de consumo assistido, a uma média de 300 pessoas por dia.

Acontece que a média de idades desta população migrante ronda os 20 anos, bem abaixo da média etária dos outros consumidores, situação que Elsa Belo considera "muito mais preocupante".

Bruna Alves, coordenadora da única unidade móvel de consumo vigiado, que circula em cinco freguesias da zona oriental de Lisboa, confirma que existe "uma população mais nova com consumo", ainda que também se verifique "uma maior longevidade" dos consumidores.

Sublinhando que, em termos de consumo, os migrantes "precisam da mesma resposta" do que todas as outras pessoas, a assistente social na organização não-governamental Médicos do Mundo, reconhece, porém, que as equipas têm de ter "mais tempo" e outras valências.

"Muitos [migrantes] não falam nem inglês nem francês, o que acaba por limitar também um pouco a nossa intervenção. É difícil percebermos as limitações que eles têm, os problemas que eles têm a nível de saúde. Era muito necessário, de facto, termos essa tradução", salienta.

Até agora, têm sido os próprios técnicos a tentar "fazê-lo da melhor forma".

Em Lisboa, refere, todos sabem que há zonas onde "existe uma maior prevalência" de drogas, mas as alterações nas dinâmicas do consumo "são constantes".

Atualmente, tem-se registado "um aumento do consumo fumado", sobretudo de 'crack' (cocaína cozida), mas, ressalva Bruna Alves, "continua a existir muito consumo endovenoso".

Em funcionamento há dois anos e meio, o Serviço de Apoio Integrado na Quinta do Loureiro tem atualmente cerca de 2.600 inscritos, 85% dos quais do sexo masculino, com uma média de idade nos 45 anos.

Segundo os números oficiais, um terço dos inscritos está em situação de sem-abrigo, muitos dos quais pernoitam nos arredores do bairro, número que também "tem aumentado", refere Elsa Belo.

O aumento do consumo de droga “obriga” a mudar resposta

O presidente do Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências (ICAD) reconhece que o consumo de droga em Lisboa "obriga" a mudar a resposta existente, assumindo como prioridade o reforço das equipas, que relatam estar "nos limites".

Admitindo a necessidade de criar mais serviços de apoio, fixos e móveis, para pessoas que consomem drogas, o médico João Goulão considera, porém, que a prioridade deve ser assegurar "que as equipas de tratamento tenham capacidade de resposta sem constrangimentos, sem listas de espera".

Esta não é a realidade, observa, em entrevista à Lusa, notando que "há muita dificuldade em atrair" novos profissionais para uma área "reconhecidamente difícil".

São necessários, por isso, "mecanismos para captação desses recursos", até porque muitos dos atuais técnicos estão a aproximar-se da reforma.

No terreno, a diretora da organização não-governamental Ares do Pinhal, Elsa Belo, reivindica "um plano de intervenção de emergência". Esse plano, sustenta, deve incluir respostas "desburocratizadas", que permitam encaminhar as pessoas, "de forma direta", para alojamento e tratamento.

"Neste momento, não temos respostas [...] à altura, tão eficazes quanto necessárias, para retirar as pessoas daqui", realça a diretora técnica do Serviço de Apoio Integrado na Quinta do Loureiro.

"Quando uma pessoa pede [...] ajuda, estamos completamente condicionados em relação à ajuda que podemos dar [...]. Não conseguimos pôr essa pessoa em tratamento nem naquele dia, nem naquela semana, nem naquele mês, porque há um estrangulamento das respostas", explica.

Reivindicando "respostas rápidas, de acesso fácil", Elsa Belo descreve o atual sistema como "burocrático".

Já Bruna Alves assinala que as equipas de intervenção "estão nos limites".

Segundo a assistente social na organização não-governamental Médicos do Mundo, as equipas debatem-se com "muitas dificuldades", porque são pequenas e estão muito sobrecarregadas com o "elevado número de pessoas a utilizar drogas na cidade".

Considerando que tem havido "falta de financiamento e investimento nesta área", Bruna Alves exige "mais respostas" para as pessoas que consomem, em concreto, pelo menos mais uma sala fixa e mais uma unidade móvel.

O presidente do ICAD concorda que é importante agilizar os processos de tratamento.

"Mas só conseguimos fazer isso quando tivermos as equipas do lado de cá", ressalva.

"Estamos num momento de limitação de capacidade de reagir", assume o presidente do ICAD, lembrando que o processo de criação do novo organismo, em resultado da extinção do anterior, "tem sido difícil".

Este processo foi acompanhado pela reestruturação das Administrações Regionais de Saúde (ARS), cujas competências ao nível das dependências vão transitar para o ICAD no final de março.

Elsa Belo reivindica também o aumento das unidades de consumo assistido na capital, espaços que funcionam como "uma porta de entrada nos serviços".

João Goulão concorda: "A abertura de novos espaços de consumo vigiado tem-se revelado extremamente útil como ponto de captação."

Porém, assinala que "não serve de muito ir abrindo espaços de consumo vigiado onde as pessoas se acumulam, mas, quando pretendem outro tipo de resposta, não encontram".

O médico defende a criação de uma 'task force' (grupo de trabalho) envolvendo os parceiros relevantes na matéria, para produzir um "diagnóstico mais apurado da situação", nomeadamente sobre a "localização recomendável" desses novos espaços.

No caso de Lisboa, "tudo parece apontar para a zona oriental da cidade".

Questionado pela Lusa sobre este assunto, o Ministério da Saúde respondeu, por escrito, que "estão em estudo as respostas concretas, em termos de espaço, para corresponder às necessidades identificadas."

O presidente do ICAD recorda que as respostas atuais "foram criadas num determinado pressuposto" e concebidas para responder sobretudo a consumos injetáveis.

"Temos vindo a constatar uma predominância do consumo fumado, o que exige um reforço da área disponível e da capacidade disponível para acolher esses consumos", refere.

Mesmo os tratamentos, como a metadona, não são eficazes para "outras substâncias que vão ganhando preponderância, nomeadamente o 'crack'", o que exige "alguma afinação de estratégias", realça.

João Goulão reconhece "grandes dificuldades" em pôr o ICAD "verdadeiramente" em funcionamento, identificando constrangimentos financeiros e orçamentais que impedem, por exemplo, a abertura de concursos.

"Estamos a fazer os possíveis para que [...] no dia 01 de abril as coisas estejam em condições de ser lançadas", diz, garantindo que a nova estrutura terá "uma capacidade de resposta acrescida".

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