O Presidente da República prestou declarações aos jornalistas esta segunda-feira para esclarecer os “factos apurados” sobre a sua intervenção no caso das gémeas luso-brasileiras e o seu tratamento no Hospital de Santa Maria. Marcelo apurou que entre 21 e 31 de outubro de 2019 o chefe da Casa Civil comunicou com diferentes entidades e esclareceu os pais das gémeas de como se procediam os tratamentos em Portugal.
Numa sala que não é habitual para comunicar com os jornalistas, Marcelo Rebelo de Sousa iniciou a sua intervenção ao esclarecer que desde 4 de novembro, quando foi pela primeira vez questionado sobre a sua intervenção no processo de duas gémeas num tratamento “complexo no Santa Maria”, que está a apurar os factos para comunicar à Procuradoria Geral da República.
“Há um mês, no dia 4 de novembro pela primeira vez me foi colocada a questão se tinha tido alguma intervenção e qual no processo de duas gémeas num tratamento complexo no Santa Maria, e mais me foi perguntado se a propósito desse caso eu tinha tido ou não algum tipo de contactos com um filho meu ou outro elemento de família sobre a matéria", disse.
A resposta do Presidente, conforme insistiu esta segunda-feira, era que não se recordava. Nesta sequência, o Presidente mandou apurar “da Presidência tudo o que pudesse existir de registos ou arquivados sobre esse tema”. Mas acaba por confirmar que recebeu um email de Nuno Rebelo de Sousa, o seu filho, sobre as gémeas luso-brasileiras.
“Foi uma matéria laboriosa, porque implicava primeiro saber se elementos da Casa Civil tinham tido intervenção e até que ponto tinha tido intervenção e em que termos, o mais exaustivamente possível. Entretanto, há poucos dias, a PGR abriu um inquérito e, estando eu à espera de elementos, que já disponho hoje, eu entendia que, uma vez apurados eu comunicava à PGR foi o que fiz hoje”, explicou.
Tendo já comunicado à PGR, Marcelo entendeu que estava em condições de esclarecer, também, o que foi possível “apurar sobre os factos de há quatro anos de um período intenso” na vida política e pessoal.
Entre o dia 21 de outubro de 2019 e o dia 31 de outubro de 2019, que coincidiu com a formação de um governo constitucional, “tudo se passou”, de acordo com o Presidente que, nessa altura, foi operado ao coração.
“Apurou-se que no dia 21, o doutor Nuno Rebelo de Sousa me enviou um email em que dizia que um grupo de amigos da família das duas crianças gémeas se tinha reunido e estava a tentar que fossem tratadas em Portugal, era uma corrida contra o tempo. Tinham contactado já o Dona Estefânia, que tinha dito que seria o Santa Maria o Hospital adequado para apurar. Enviaram a documentação para o Santa Maria, mas não tinham resposta. O doutor Nuno Rebelo de Sousa queria saber se era possível ter uma resposta", narrou o Presidente.
Nesse mesmo dia, Marcelo despachou para o chefe da Casa Civil se Maria João Ruela podia perceber do que se tratava, a ausência de resposta do Santa Maria, “com ponto de interrogação”.
Na sequência disso, o chefe da Casa Civil enviou para a doutora Maria João que contactou o hospital. No dia 23, como esclareceu o Presidente, a doutora deu uma resposta a Nuno Rebelo de Sousa em que comunicou que “o processo foi recebido e estão a ser analisados vários casos do mesmo tipo, estando a ser doentes internados e seguidos em hospitais portugueses, sendo que a capacidade de resposta é muito limitada”. Para além disso, Maria João Ruela respondeu que tudo “depende de decisões médicas do Hospital e Infarmed”.
“O doutor Nuno Rebelo de Sousa voltou a questionar a doutora que confirmou o que disse. Na sequência disso doutor Nuno dirigiu-se ao chefe da Casa Civil que confirmou a informação e disse que ”a prioridade é dada aos casos que estejam a ser tratados nos hospitais portugueses daí que não tenham sido contactados e não é previsível que o sejam rapidamente. O SNS cobre em primeiro lugar as pessoas que residam ou se encontrem em Portugal, portugueses no estrangeiro têm direito a ser tratados nos países onde residem”, detalha Marcelo Rebelo de Sousa.
No dia 31 de outubro, como contou o Presidente da República, o chefe da Casa Civil enviou para o chefe de Gabinete do primeiro-ministro e para o chefe de Gabinete do secretário de Estado das Comunidades Portuguesas enviou uma carta a dizer “para os efeitos que tiver convenientes” e mandava toda a matéria sobre o caso das gémeas luso-brasileiras e a sua condição.
"Na sequência disso, o chefe da Casa Civil enviou para o pai das crianças que tinha enviado a informação. Termina aqui a intervenção da Presidência da República. A partir daí, não há qualquer registo ou intervenção na sequência dos processos”, terminou o Presidente.
Marcelo Rebelo de Sousa enviou estas informações esta tarde para a Procuradoria-Geral da República.
Sem acelerar
Nas respostas às perguntas dos jornalistas, o Presidente esclarece que, com esta intervenção, não acelerou o processo de tratamento das gémeas luso-brasileiras.
“Não se acelerou, eu sou rápido nas questões, pedem me intervenções, eu imediatamente envio para o chefe da Casa Civil, despacho e os despachos são deste tipo, são pedidos para apurar e é distribuído pelo responsável especialista na matéria”, informou Marcelo que, como já comunicou, enviou para o chefe da Casa Civil que pediu esclarecimentos á doutora Maria João Ruela.
Para Marcelo, “não há um facto que envolva o mínimo de favorecimento” e que “certamente” tem condições para manter o cargo.
O caso (anterior à explicação)
Umas gémeas luso-brasileiras foram tratadas no Hospital de Santa Maria com um dos medicamentos mais caros do mundo
O diagnóstico de atrofia muscular às duas filhas gémeas fez com que a mãe, que é também filha de um português e há 15 anos também cidadã portuguesa, iniciar nas semanas seguintes os primeiros pedidos de ajuda ao hospital Santa Maria e a outros hospitais.
Um dos médicos do Santa Maria respondeu, de forma não oficial, a 14 de outubro ao pedido da mãe, confirmando já ter levado o assunto ao Conselho de Administração do hospital.
Noutro documento, a que a SIC teve acesso, passados dois dias o mesmo médico avisa que para as meninas receberem o tratamento teria de haver sempre uma aprovação prévia do Ministério da Saúde, devendo a mãe endereçar o pedido à tutela.
A troca de correspondência continuou, até que dois meses depois foi marcada a primeira consulta, para dezembro do mesmo ano, 2019 - que depois foi adiada um mês, para janeiro.
Segundo a mãe da menina, num vídeo revelado pela TVI que denunciou o caso, terá havido influência do Presidente da República.
Daniela Martins chegou mesmo a admitir que era amiga da nora do Presidente da República, mulher de Nuno Rebelo de Sousa, e que terá sido através dela que conseguiu a "cunha" em Portugal, que terá permitido a realização do tratamento.
O Ministério Público anunciou que está a investigar o caso.
O Presidente da República reiterou que não falou com qualquer entidade para influenciar o tratamento das gémeas luso-brasileiras em Portugal e mostrou-se disponível para ir a tribunal "se vier a aparecer alguém" que diga o contrário.
A família das gémeas luso-brasileiras tratadas no Hospital Santa Maria nega ter pedido qualquer tratamento de exceção através do Presidente da República.