O mais recente episódio de tensão parlamentar, com os deputados do Chega a abandonarem o plenário em protesto contra Augusto Santos Silva, conheceu novos desenvolvimentos já foram das quatro paredes da Assembleia da República (AR). Apesar de declarar, com toda a convicção, que o partido de que é líder recebeu um convite dos organizadores da manifestação pelo direito à habitação, que se realizou sábado em várias cidades, André Ventura acabou desmentido publicamente. E o suposto email que endereçava o convite afinal não partiu de nenhum dos movimentos.
O arranque dos trabalhos no Parlamento foi tumultuoso, com Ventura a pedir a palavra para criticar o presidente da AR por não censurar publicamente a forma como três deputados do Chega foram recebidos no protesto, em Lisboa, tendo de ser escoltados por agentes da PSP.
"O senhor presidente, meu presidente já não é, desta bancada já não é, de uma parte do país já não é, e eu não o reconheço como presidente da Assembleia da República, e vou-me embora, que é para isso que eu estou aqui", disse o líder do Partido, tendo depois toda a bancada do Chega abandonado o plenário.
Mais tarde, num evento onde anunciara a sua presença a partir das 16:00, o que de qualquer forma o obrigaria a deixar os trabalhos na AR mais cedo, voltou a reforçar as críticas a Santos Silva e sublinhou que o Chega foi convidado a estar presente no protesto.
“Dá ideia de que aos deputados do Chega pode-se bater, agredir, matar e aos outros não se pode fazer nada”, sublinhou o líder do Chega, num evento em Campo de Ourique, em Lisboa, acabando por ser confrontado sobre se realmente existiu um convite oficial para estarem na manifestação.
Ventura garante que esse convite existiu e foi enviado “pela plataforma que organizou as várias manifestações”, sendo que no caso o mesmo se referia ao Porto, mas que se os convidavam para essa cidade, “convidam para todo o lado”.
O convite que nunca existiu e a “continuidade da mentira”
A manifestação, que se multiplicou por várias cidades portuguesas, foi organizada pela plataforma Casa para Viver que, poucos minutos depois de André Ventura ter afirmado que o Chega foi convidado a juntar-se aos manifestantes, reagiu em comunicado, negando isso mesmo.
“A plataforma Casa para Viver vem desmentir que alguma vez tenha convidado o Chega a participar na manifestação de 30 de setembro, pela habitação e a justiça climática. Tais declarações, do líder do Chega, André Ventura, no Parlamento são a continuidade da provocação montada durante a manifestação. Recorde-se que a manifestação tinha um manifesto em que explicitamente se defende o combate à especulação imobiliária, aos lucros pornográficos dos bancos, a recusa do racismo e da xenofobia e afirma-se que todas as pessoas que vivem e trabalham em Portugal têm direito a uma habitação digna. Princípios que o Chega se tem manifestado contra repetidamente.”
O comunicado está assinado por Nuno Ramos de Almeida, em representação da plataforma Casa da Viver. Também na SIC Notícias, Ventura voltou a ser desmentido.
“Da parte da plataforma Casa para Viver, nem dos movimentos que integram esta plataforma e são muitas centenas a nível nacional, não partiu nenhum convite ao partido Chega para participar na manifestação. Já desmentimos isto por comunicado, lamentamos que o Chega insista no erro e na mentira”, defendeu André Escoval, da organização da plataforma, na SIC Notícias.
O representante do movimento sublinhou ainda que o “Chega só sabe viver na base do populismo, na base da continuidade da mentira”.
Email com convite veio de cidadão que não representa movimentos
André Ventura reforçou a ideia de que existiria um convite oficial para o Chega participar na manifestação com base num email que, entretanto, o partido reencaminhou para as redações como suposta prova.
Acontece que, tal como a SIC pode apurar, este mesmo email foi enviado para todos os grupos parlamentares por um cidadão que não representa nenhum dos movimentos organizadores do protesto de sábado.
Significa isto que, afinal e de facto, não houve qualquer convite oficial ao Chega para que participasse na manifestação.