Uma prisão. A partir de certa altura torna-se uma prisão. Quando se acorda todos os dias sabendo que iremos repetir o que já ontem fizemos, sabendo de antemão que iremos voltar a estar com as mesmas pessoas para voltar a fazer o mesmo do dia anterior, repetir vezes sem conta os mesmos gestos, acatar os mesmos horários, escutar as mesmas frases, ter a certeza que os dias não vão oferecer nada de muito diferente para fazer, nada de especialmente espectacular, é inevitável que tudo nos pareça uma prisão. São assim as férias de muitos jovens.
As férias são, para muitos, uma verdadeira condenação, um cárcere e um martírio.
A partir de certo tédio os dias de Verão tornam-se insuportáveis. Em muitos casos e em muitas casas, vive-se dentro de jaulas. O período de férias representa para muitos uma pandemia de isolamentos.
Quando regressam à escola muitos miúdos irradiam um estado de alforria efervescente. É vê-los eufóricos por se devolverem aos seus amigos, radiantes por conhecerem outra gente nova. Há de tudo, evidentemente. A escola é para outros rapazes e raparigas um lugar de brutalidade e nada menos do que isso. E de nada adianta pensarmos que são em menor número, que, por aqui, a estatística é inútil.
O estio do fastio
Mas a escola representa para muitos mais um ecossistema natural. Ela constitui uma dilatada porção da sua biologia social. A importância da escola para estes muitíssimos miúdos é indesmentível. De resto, quem vá a uma escola na última semana de aulas sabe que assistirá a um desfile de crianças a choramingar por todos os cantos mergulhados em abraços do tipo “até para o ano”. Tudo isto ao mesmo tempo que galhofam tristemente com o fim das aulas. Quando as férias chegam, chega com elas uma sufocante solidão; é um estio de fastio que cresce a cada dia, e que vai sendo mascarado com tecnologia e um dedilhar nervoso em desconsoladas consolas. É um verdadeiro enjaulamento encalorado. Um zoológico intemperado de crianças entediadas. E muitas são as que esperam secreta e ansiosamente pelo regresso à escola. É verdade que nem todas estão ansiosas por conhecer as prerrogativas da clorofila ou o pretérito imperfeito do verbo "secar", mas percebem que estão no seu elemento. Que regressaram a casa, à sua verdadeira casa. Há liberdade à sua espera nas escolas. Há gente sã que os acolhe, abraça e entende. Colegas, professores, funcionários, até dos “maus” tinham saudade, sem o saber.
A escola como ginásio
O regresso à escola traz consigo esta ambiguidade benigna de amar sem cálculo. É neste momento que importa estar por perto destes miúdos. Precisamos de compreender o que são as nossas casas e o que representa para nós, adultos, esta excitação pelo regresso à escola. Incumbe-nos explicar-lhes com detalhe e clareza o valor da cultura e da escola e de como são sinónimos. De como nos vamos libertando de todas as jaulas quando sabemos como se faz para aprender tudo. Que é só para isso que a escola serve. Porque a escola é um ginásio onde exercitamos os músculos da consciência, da liberdade e da independência.
Temos de os escutar mas temos de lhes dizer coisas:
Tempo
É no regresso às aulas que precisamos de lhes explicar que precisam de organizar um calendário para estudar e para não estudar. Dizer-lhes que não há nada pior do que perder tempo. Que o tempo serve para fazer as coisas úteis e as inúteis. E que ambas têm imenso valor. É por isso que precisamos por vezes de “relaxar”. Porque já se sabe que fazer um intervalo, um time out, ajuda na concentração quando dela precisamos. É preciso que saibam que devem levar o tempo de descanso a sério. Devem organizar formas de o incluir na agenda escolar. O segredo está em nunca exagerar, nem no tempo consecutivo de estudo, nem no tempo merecido de descanso.
O benefício da dúvida
É nesta altura que devem saber desconfiar, com método e elegância, de tudo o que lhes for dito nas aulas. Não há nada que não seja interessante. Quando uma rapariga julga que sim, é porque não sabe o suficiente sobre as coisas. Se mantiver sempre um espírito de curiosidade por tudo o que a rodeia qualquer miúda irá encontrar histórias escondidas por todo o lado. Boas e más, mas sempre interessantes. O que lhe dizem nas aulas está à espera dessa sua curiosidade. Os professores contam com a sua amabilidade curiosa para chegarem onde querem chegar na sua vida e no seu sucesso.
O erro parvo
É quando voltam à escola que lhes devemos recordar como devem analisar minuciosamente todos os erros cometidos e corrigidos em cadernos, fichas ou testes. Já se sabe que errar é humano. Cometer duas vezes o mesmo erro também é. Mas temos de os convencer que cometê-lo três vezes é um bocadinho parvo. O erro é uma oportunidade única. É ouro. Num jogo percebe-se bem a importância de não repetir erros. Deve ser aproveitado e reciclado ao máximo. Cada rapaz deve saber como estudar todos os seus erros com a intenção de nunca mais os repetir. É para isso que eles servem. Não pode atirar os seus testes e fichas com erros no lixo. Não pode deixar que os seus erros o dominem. Servem para passar de nível.
A sobrancelha fingida
É durante estes dias de escola que precisamos de os ajudar a saber partilhar todas as dúvidas que surjam e não deixar absolutamente nada por esclarecer. Quando não percebemos uma coisa temos sempre hipótese de fingir que percebemos. É muito simples. Fazemos um ar super-inteligente enquanto abanamos com a cabeça de cima para baixo. É um sucesso. O problema disto é que ficamos imediatamente na gaveta secreta dos tipos que fingem saber coisas que não sabem. Precisamos de decidir se é nessa gaveta que queremos passar a nossa vida. Há outra gaveta: a dos que percebem o que lhes estão a dizer. É preciso tomar aqui uma decisão importante.
Estudar em pânico
É preciso que saibam os benefícios que resultam de saber organizar as coisas de forma a terem tempo para aliviar o stress. Ninguém estuda bem em pânico. Deixar tudo para a última é acumular tensão sem necessidade. Quando percebem que vão ter muito para estudar, devem saber distribuir a matéria pelo calendário. Não há vantagem nenhuma em guardar as coisas para a última hora. Os nossos miúdos precisam de ouvir dos seus pais o seguinte: “Há pouca gente mais capaz do que tu. São é mais organizados do que tu. Acalma-te. Está tudo bem contigo; o teu tempo é que precisa de dieta. Lembra-te: o tempo não se estica. Domestica-se."
No abismo
É preciso que saibam compreender que quando estudam algo de que nunca ouviram falar nem nunca mais ouvirão, estão activamente a preparar e programar os seus cérebros para que saibam como agir perante situações novas e que isso sim, vai acontecer-lhes constantemente durante a vida. A escola serve para isso, também. Eles precisam de perceber isto com absoluta limpidez.
299 dias
"Faltam duzentos e noventa e nove dias até chegar o próximo Verão!", decretava há dias uma rapariga que vai agora para o seu oitavo ano. As suas férias são animadas, extravagantes e activas. Praia, campo, piscina, cinema, viagens, hotéis, concertos e festivais. Tem imensa sorte, a miúda. Nem todos os pais podem proporcionar aos seus filhos tudo aquilo que ela tem. Poupe-se em tudo mas não se poupe no amor porque muitos são os que tudo têm e a quem tudo falta. Para todos estes miúdos, as “férias” só acabam quando as aulas terminam.